Pulsos de rádio anômalos na Antártida podem indicar matéria escura ou dimensões extras?

Dois misteriosos pulsos de rádio detectados nas profundezas geladas da Antártida voltaram ao centro do debate científico após a publicação de um estudo no periódico Physical Review Letters, em março de 2025. O artigo detalha os esforços de uma equipe internacional de pesquisadores para identificar possíveis explicações para os sinais detectados em voos do experimento ANITA, que desafiavam as expectativas da física de partículas.
A conclusão? Se essas emissões fossem causadas por partículas emergindo da Terra, como se suspeitou inicialmente, o Observatório Pierre Auger, na Argentina, deveria tê-las detectado também — o que não ocorreu. Curiosamente, o artigo que justamente pretendia afastar algumas das teorias mais exóticas ganhou o mundo na forma de matérias reforçando hipóteses como a detecção de matéria escura, dimensões extras e até uma suposta “nova física”.
Os pulsos incomuns foram captados por instrumentos do ANITA (Antarctic Impulsive Transient Antenna), que sobrevoam o continente a bordo de balões da NASA entre 30 e 39 km de altitude. O experimento foi concebido para detectar ondas de rádio emitidas por chuvas de partículas cósmicas de altíssima energia ao interagirem com o gelo antártico — fenômeno conhecido como efeito Askaryan. Mas, em duas ocasiões — nos voos I e III —, a equipe do ANITA detectou sinais que pareciam vir de baixo do gelo, em ângulos incompatíveis com a física conhecida.
A hipótese mais ousada sugeria que os sinais seriam causados por partículas exóticas — ou até por neutrinos tau de altíssima energia — atravessando milhares de quilômetros de rocha antes de interagirem sob o gelo e gerarem uma cascata ascendente de partículas. Para isso acontecer, os neutrinos teriam que atravessar até 7000 km da crosta terrestre — um cenário tão improvável que exige uma taxa de fluxo que já teria sido detectada por experimentos como IceCube ou o próprio Observatório Pierre Auger.
“Você tem um bilhão de neutrinos passando pela sua unha do polegar a qualquer momento”, comentou Stephanie Wissel, física da Penn State e membro da equipe ANITA. “Mas sua interação com a matéria é tão rara que detectá-los é dificílimo.” Os eventos observados, explicou ela, não se comportam como neutrinos típicos e não apresentam o padrão de polarização esperado para pulsos refletidos.
Mistério motivou análises mais abrangentes
Motivada por esse mistério, a equipe do Pierre Auger — o maior observatório de raios cósmicos do mundo — realizou uma busca sistemática por sinais similares, analisando dados colhidos entre 2004 e 2018 com seu detector de fluorescência, capaz de observar chuvas de partículas na atmosfera. A análise foi extremamente rigorosa: milhões de eventos foram estudados, e simulações sofisticadas ajudaram a separar potenciais sinais de ruído, incluindo interferências causadas por lasers usados na calibração dos instrumentos.
O resultado foi surpreendente: apenas um único evento compatível com uma cascata ascendente foi encontrado — e mesmo ele está dentro do esperado como ruído de fundo estatístico. Segundo o artigo, se os pulsos do ANITA fossem mesmo chuvas ascendentes, o Pierre Auger deveria ter observado dezenas de ocorrências semelhantes: mais de 34 eventos para um espectro de energia 𝐸⁻³ e mais de 8 eventos mesmo para uma suposição mais conservadora, como 𝐸⁻⁵.
A análise conclui que a hipótese das chuvas ascendentes, especialmente se causadas por partículas conhecidas como táuons, é fortemente desafiada pelos dados. A sensibilidade do Pierre Auger, em certos casos, é até 2000 vezes superior à do ANITA III para esses eventos, o que torna a ausência de detecções ainda mais significativa.
“Nosso novo estudo indica que tais eventos não foram vistos por um experimento com uma longa exposição como o Observatório Pierre Auger. Isso não prova que há nova física, mas oferece mais informações para entender a história”, afirmou Stephanie Wissel.
Ainda há questões sem respostas
Ainda assim, o mistério persiste. Embora os resultados não corroborem a ideia de partículas emergindo do interior da Terra, outras explicações mais mundanas — e ainda não completamente compreendidas — continuam sendo investigadas. Wissel admite: “Minha suposição é que algum efeito interessante de propagação de rádio ocorre perto do gelo e também perto do horizonte que eu não entendo completamente. Mas ainda não conseguimos identificar nenhum desses efeitos.”
Para aprofundar a investigação, a equipe está trabalhando no desenvolvimento do PUEO (Payload for Ultrahigh Energy Observations), uma versão mais sensível e avançada do ANITA. Com esse novo instrumento, os cientistas esperam capturar mais eventos anômalos e, possivelmente, esclarecer se os sinais são fruto de nova física — como partículas desconhecidas, matéria escura ou dimensões extras — ou de fenômenos naturais mal compreendidos.
Enquanto isso, o trabalho cuidadoso de verificação cruzada entre experimentos, como os do IceCube, ANITA e Pierre Auger, segue sendo o alicerce do método científico. Mesmo a ausência de confirmações, como neste caso, tem valor: ajuda a delimitar o que é plausível e impede que hipóteses fascinantes se transformem em conclusões precipitadas. A ciência, afinal, avança não apenas com descobertas, mas também com as refutações bem fundamentadas.