Mistério voador na Serra do Rio do Rastro pode ter explicação mais próxima do que se imaginava

Na última semana, a Serra do Rio do Rastro, em Santa Catarina, foi palco de um burburinho aéreo que atravessou grupos de WhatsApp, fóruns de ufologia, vídeos no YouTube e matérias na imprensa alternativa. Mas talvez — e esse “talvez” é importante — o caso mais comentado da ufologia brasileira em 2025 tenha uma explicação mais simples, e bem mais próxima da lente da câmera, do que se imaginava.
A gravação original que gerou todo o “buzz” (sim, o trocadilho com insetos não é acidental) foi feita ainda no verão deste ano, em 15 de janeiro de 2025, pelo youtuber e piloto e instrutor de drone Wanderlei Zandoná, o “Wanzam”, no mirante da Serra. A filmagem em altíssima resolução — 4K a 60 quadros por segundo — permaneceu alguns meses esquecida até ser publicada no final da primeira quinzena de maio. Só então o vídeo começou a chamar atenção de seus milhares de seguidores. Três objetos cruzam a cena registrada pelo drone, em altíssima velocidade, aparentemente rumo a cavidades em um paredão da serra.

O próprio autor admite que não viu nada ao vivo, apenas após ser alertado por seguidores: “Eu tava lá e não vi nada”, brincou no vídeo. Dias depois, diante da repercussão, o Wanzam publicou novas imagens feitas no mesmo local e outros momentos da mesma filmagem. Nessas cenas posteriores, pássaros aparecem com destaque, voando em diversas altitudes. E, junto com eles, outros objetos parecidos com os três originais. “Já achei mais de 100 desses objetos”, declarou Wanzam em um dos vídeos mais recentes.
De fato, outros canais e seguidores do piloto chegaram a mapear dezenas deles, alguns voando em sentido oposto ao dos três originais. E isso — a frequência e variedade dos registros — pode ser a pista mais relevante para apontar uma solução para o suposto insólito registro.
Entre hipóteses improváveis e cálculos alucinantes
A febre em torno da filmagem levou diversos entusiastas, influencers e até ufólogos iniciantes a realizar suas próprias “análises técnicas”. Foi aí que surgiram os dados mais inusitados — e também as distorções mais fundamentais. Vídeos no YouTube estimaram que os objetos estariam se deslocando “a 400 km/h”, “630 km/h”, e até mesmo “5000 km/h”. Mas havia um problema comum: todas essas estimativas assumiam arbitrariamente uma distância entre os objetos e o solo — quase sempre considerando que os supostos OVNIs estariam poucos metros acima do solo, a centenas de metros de distância do drone.
Esse é um erro bastante comum na ocorrência de registros de OVNIs. É preciso deixar claro que matematicamente é impossível determinar a distância de um objeto até a lente da câmera a partir de um único ponto de vista, ou seja, da própria câmera. A menos que o tamanho exato do objeto seja conhecido previamente ou que seja possível determinar, com segurança, que ela passa atrás de alguma coisa da qual se conhece a distância exata.

Recentemente algo similar aconteceu com o chamado TicTac do Datena: a imagem em alta resolução publicada com exclusividade pelo Portal Vigília esclareceu tratar-se de um helicóptero; mas sem base matemática alguma, houve quem dissesse se tratar de um UFO TicTac voando a mais de 1500km (!) por hora sobre a cidade de São Paulo.
Esse é um problema de trigonometria básica. E sem o ponto de referência, não importa o quando se estimar em “pixels/metros/centímetros” por comparação numa imagem, só é possível criar relações de possibilidades: “se objeto tivesse um tamanho x, estaria a y, com a velocidade v”. E para cada valor de “chute”, os resultados vão variar do voo de uma borboleta ao disparo de um míssil hipersônico.

Ainda assim, o ser humano tende a ver padrões. Em geral padrões que se encaixam naquilo que ele acredita. “Tenho a impressão de…”, é uma das expressões mais usadas nos vídeos de “análises”. E, na medida em que muitos “analistas” tentavam ver nas imagens um “orbe”, um “TicTac” ou qualquer outro fenômeno “ufológico”, inconscientemente foram, com isso, atribuindo aos “objetos” registrados os mesmos tamanhos supostos para essas outras coisas. E claro, quanto maior o tamanho (arbitrariamente) atribuído, mais incrível se tornaria o desempenho ‘calculado’.
Além disso, pequenos e desfocados como são os objetos, não existe ampliação ou processamento de inteligência artificial possível para determinar um formato definitivo. Zoom e processamentos apenas acabam transformando os objetos naquilo que o autor da ampliação quer que eles sejam, não mostram de fato o que poderiam ser.
Apontando o que não eram os objetos da Serra do Rio do Rastro
O dilema da interpretação arbitrária das distâncias nas análises mais apressadas só acabou sendo tratado com profundidade em dois vídeos tardios: Jorge Uesu Jr, analista experiente e consultor do Portal Vigília em diversos casos, além do ufólogo e youtuber Rony Vernet, fizeram abordagens técnicas mais criteriosas.
Uesu, do canal OMG (Ovnis e Mistérios em Geral), deixou claro que “pela imagem é impossível saber a distância que esses objetos estão da câmera nem que tamanho eles teriam”.
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O mesmo raciocínio foi adotado por Vernet, que fez cálculos rigorosos de velocidade e tamanho em diferentes cenários, estimando que, se os objetos estivessem mais próximos da lente, a velocidade cairia drasticamente — de mais de 140 km/h para algo entre 30 e 50 km/h.
“Parece que o objeto está estupidamente rápido, mas se ele está muito mais próximo da câmera, você teria uma velocidade muito menor”, explica Vernet. Segundo ele, o primeiro objeto analisado ocuparia apenas 0,1% da largura do frame, com um comprimento estimado de 36 cm. Mas se esse objeto estivesse a apenas 30 metros do drone, a velocidade média cairia para 103 km/h, perfeitamente compatível com aves ou insetos velozes.
Nos dois casos, os analistas concluem que, muito provavelmente, os registros mostram insetos muito próximos do drone, com a possibilidade de um ou outro terem sido causados pelo registro de um pássaro. No entanto, suas observações excluem drones, experiências secretas e mesmo OVNIs, simplesmente porque, consideradas as distâncias e tamanhos possíveis para os tais “objetos”, eles simplesmente se encaixam em comportamentos de fenômenos conhecidos, tanto em velocidade quanto tamanho.
Insetos? Sim, e com base científica
Nenhum dos dois analistas se aprofundou num aspecto crucial: a enorme quantidade de outros “supostos objetos” nos vídeos, tanto no primeiro quanto nos demais publicados por Wanzam. E essa pode ser uma questão chave: a Serra do Rio do Rastro está encravada numa região de Mata Atlântica, com uma fauna extremamente rica em insetos, em variedade e quantidade.
Para aprofundar a hipótese entomológica, o Portal Vigília consultou o biólogo Felipe Teixeira Rocha Viana, de 27 anos. Formado pela FAMATH – Faculdade Maria Thereza, com extensão em entomologia, ele explicou que a Mata Atlântica é o segundo bioma brasileiro em biodiversidade de insetos, só perdendo para a Amazônia. E mesmo em altitudes elevadas — como os cerca de 1400 metros da Serra do Rio do Rastro—, a presença de insetos é esperada, especialmente no verão.
“A ausência total de insetos só acontece em ambientes com neve ou com temperaturas próximas dos 0°C”, explicou.
Como apurado pela reportagem, o vídeo foi gravado início do ano, em 15 de janeiro. Naquele dia, auge do verão, a temperatura na região variou entre 12°C e 24°C, um, ambiente ideal para o voo de insetos. Isso explica, também, a grande variedade de pássaros nas imagens que Wanzam publicou depois.
“Insetos fazem parte do cardápio de várias espécies de pássaros. Abelhas do gênero Trigona e borboletas Morpho ou Heliconius podem chegar aos 20 ou 40 metros de altura na copa das árvores”, detalha o entomologista. “Besouros florícolas da família Cetoniinae, mutucas da família Tabanidae e esperanças da família Tettigoniidae também atingem altitudes semelhantes”. E todas essas são espécies comuns na região.
Para Viana, é perfeitamente plausível que o drone tenha cruzado com uma nuvem de insetos ou indivíduos solitários.
“Os pássaros sobrevoando a copa podem estar caçando esses insetos, mas evitam se aproximar demais do drone por receio do aparelho. Esses objetos desfocados perto do drone poderiam sim ser insetos movidos pela curiosidade ou fugindo dos predadores”, diz.
Um fato relevante nesta análise é que, embora o drone pareça estar a mais de 200 metros acima da estrada, sua proximidade em relação à encosta da serra é bem menor. Apesar desse dado não ser claramente visível, logo no início da filmagem é possível perceber que o piloto faz uma trajetória descendente, colocando o aparelho quase em linha com o plano do mirante e, portanto, não muito distante das copas das árvores na encosta, posicionada atrás e à direita do drone.
Os (frágeis) argumentos contra a tese dos insetos
Na tentativa de afastar a hipótese mais simples, além da altitude “imprópria” para insetos, muitos alegaram — inclusive o próprio Wanzam, que chegou a comparar com outros insetos captados em gravações anteriores de seu canal — que “insetos não voam em linha reta por tanto tempo” ou que não seriam visíveis naquela velocidade. Aqui, novamente, é preciso voltar à trigonometria: a trajetória pode parecer retilínea, mas considerá-la assim é cair na ilusão da perspectiva, já que um voo de poucos metros perto da lente pode parecer que atravessou o vale inteiro.
Esse detalhe já havia sido notado pelo analista Jorge Uesu, que reconheceu que “não podemos excluir que sejam insetos fora de foco voando perto do drone” e ainda lembrou que a luz do sol, refletida em ângulo, pode fazer os insetos parecerem mais brilhantes em contraste com a mata escura. “Se fosse dar um chute, diria em primeiro lugar que poderiam ser insetos”, disse o analista.
Outro fator importante no registro é o vento. Embora o drone não demonstre instabilidade aparente, a região da Serra é frequentemente atingida por ventos acima de 40 km/h, conforme registros históricos do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e do site Meteoblue. Infelizmente, a estação automática do INMET no alto da serra está fora do ar há meses, não havendo dados para o dia da filmagem.
Diante disso, o próprio biólogo Viana levantou ainda mais uma possibilidade para algumas das ‘centenas’ de registros: “poderiam até ser resíduos levados pelo vento”, comentou. “Não seria surpresa ver partículas de matéria orgânica flutuando próximas da copa das árvores, especialmente em locais tão úmidos e biodiversos como a Serra do Rio do Rastro”.
Nisso, o ufólogo Rony Vernet concorda com ele em seu vídeo de análise. “Se você deixar esse drone em cima da Serra do Rio do Rastro durante 30 dias, você vai capturar mais de 1000 OVNIs, né? Porque toda hora vai passar alguma coisa, vai passar um inseto, vai passar um pássaro, vai passar alguma coisa que vai estar de longe e você não vai ter resolução, e você vai achar inexplicável”, garante o pesquisador.
Transparência, curiosidade e colaboração
Independentemente da explicação final, o Portal Vigília destaca a postura ética e colaborativa de Wanderlei Zandoná, o Wanzam. Diferente de muitos criadores que escondem seus materiais, Wanzam liberou o vídeo original em 4K e 60fps para qualquer ufólogo ou pesquisador sério que o solicitasse.
“Se tiver algum ufólogo, vocês quiserem passar isso pra frente, eu compartilho o vídeo original”, declarou. E cumpriu a promessa: o arquivo foi enviado a diversos canais como o de Jorge Uesu, outros pesquisadores independentes e ao Portal Vigília, que puderam realizar análises minuciosas.
Além disso, o autor já anunciou que deve retornar à Serra nos próximos dias com seu drone para investigar mais de perto as cavidades rochosas, para onde os objetos pareciam seguir. “Vou ficar ali o dia inteiro filmando com o drone ali para saber o que tem naquele buraco”, prometeu. Pelo descrito nesta reportagem, não há dúvidas de que vai voltar repleto de registros de “ovnis”, muito provavelmente identificáveis.
No final das contas, a história dos objetos voadores da Serra do Rio do Rastro — sejam eles OVNIs, drones, abelhas, libélulas ou simples partículas levadas pelo vento — mostra que a boa investigação depende menos de fé ou descrença, e mais de análise, dados, ciência, curiosidade e, claro, de quem compartilha os dados com transparência. E nisso, Wanzam já merece aplausos.