Um novo agroglifo em Ipuaçu: mistério ou pegadinha?

Na manhã de segunda-feira, 14 de outubro de 2024, um novo agroglifo foi descoberto em uma plantação de trigo em Ipuaçu, Santa Catarina. O desenho, composto por um círculo maior, um hexágono interno e um círculo menor no centro, além de três detalhes em semi-círculos na parte externa, surgiu misteriosamente da noite para o dia, em uma área próxima à rodovia SC-480 que liga Ipuaçu a São Domingos.
A cidade, que já ficou conhecida como a capital nacional dos agroglifos, registra a presença desses desenhos desde 2008, geralmente entre os meses de setembro e novembro. A aparição do novo agroglifo reacendeu o debate sobre sua origem, com moradores, ufólogos e outros pesquisadores divididos entre a possibilidade de um fenômeno inexplicável ou uma elaborada ação humana.

A Revista UFO, tradicional publicação brasileira dedicada à ufologia que neste ano retomou sua edição impressa, publicou em seu site uma matéria sobre o agroglifo, inicialmente sugerindo a autenticidade do fenômeno. Aqui “autenticidade” significa algo possivelmente produzido por um fenômeno inexplicável, insólito.
O ufólogo Ivo Hugo Dohl, jornalista e consultor da revista, visitou o local e afirmou que “as imagens retratam uma formação não feita por nada mecânico ou por mãos humanas”. Dohl ainda descreveu o agroglifo como “perfeito” e “rico em detalhes”, sugerindo uma “tecnologia desconhecida na Terra” como responsável pela sua criação. “Eles voltaram”, disse Dohl em uma matéria feita para uma rede local de TV, reforçando a crença de que o agroglifo seria uma manifestação de inteligências extraterrestres.
A matéria televisiva seguia rebatendo suspeitas de uma montagem, para culminar no fechamento com um agradecimento “por essa mensagem de paz, de amor, de esperança, quando se fala tanto na transição planetária”. No entanto, a investigação da Revista UFO tomaria um rumo inesperado nos dias seguintes.
Autenticidade do agroglifo de Ipuaçu contestada
As primeiras análises a questionar a autenticidade do agroglifo vieram do pesquisador Rony Vernet, que utilizou inteligência artificial para identificar discrepâncias na figura. Vernet observou desalinhamentos nos ângulos e padrões sobrepostos, além de emendas “totalmente tortas” em alguns pontos do desenho. Esses aspectos, segundo a análise da IA, “sugerem imperfeições no design”, indicando a possibilidade de uma criação manual com ferramentas limitadas.
A “pá de cal” na hipótese de um agroglifo “genuíno” — se é que esse termo cabe a algum agroglifo — veio com a investigação de Rafael Amorim, também consultor da Revista UFO. Amorim realizou medições detalhadas no local, expôs o solo abaixo da figura e coletou depoimentos de testemunhas-chave. Suas descobertas foram a base para um novo artigo na revista.
“Depois de pelo menos sete horas de exaustiva atividade dentro do Crop Circle, do agroglifo em Ipuaçu, a gente conseguiu colher muitas evidências da ação humana”, afirmou Amorim em seu relatório.
O pesquisador encontrou marcas de estacas no terreno, confirmando o relato inicial do arrendatário da fazenda, que havia notado “pontos estratégicos necessários para centralizá-lo”.
As medições de Amorim revelaram “muitas irregularidades” no desenho, com a exceção das meias-luas nos cantos, que apresentavam a mesma medida. “Não tem absolutamente nada que a gente possa dizer que está simétrico”, disse Amorim, reforçando a hipótese de um desenho feito com instrumentos precários. O pesquisador também analisou a forma como as plantas de trigo foram dobradas, observando que, em muitos casos, elas estavam “toscamente” dobradas ou até mesmo arrancadas da raiz.

“Isso então mostra que teve a ação de um instrumento em cima delas”, concluiu Amorim. Além das marcas de estacas e das irregularidades no desenho, Amorim descobriu uma trilha que poderia ter sido utilizada para acessar o local e relatos de testemunhas que avistaram luzes de lanterna na área durante a noite.
“Existe a suspeita também que pessoas teriam visto luzes aqui, luzes de lanterna. Além disso, foi vista uma ‘misteriosa’ caminhonete vermelha que entrou no local e ficou aqui durante três, três horas e meia”, ressaltou.
A investigação de Amorim levou a Revista UFO a admitir a possibilidade de o agroglifo de Ipuaçu ter sido feito por mãos humanas — ainda que não 100%. “Com 90% de certeza, esse desenho foi feito pelas mãos humanas”, afirmou Amorim, concluindo que o caso se tratava de uma “pegadinha”.
Claro que a margem de 10% de incerteza deixada pelo pesquisador ainda deve alimentar alguma polêmica em torno do agroglifo de Ipuaçu. Enquanto a própria Revista UFO e Rafael Amorim apontavam para a ação humana, outros pesquisadores, como Carlos Alberto Machado e Luiz Prestes Jr., defendiam a origem insólita do desenho.
“É humanamente impossível fazer algo tão perfeito porque a gente repara que a trama do trigo […] era uma por cima outra por baixo uma por cima outra por baixo que é impossível fazer né com a tábua”, afirmou Luiz Prestes Jr. durante a live Brazil UFO Talks.
Um breve histórico dos agroglifos em Ipuaçu
Desde sua primeira aparição em 2008, os agroglifos de Ipuaçu têm surgido com uma frequência quase anual, geralmente entre os meses de outubro e novembro, coincidindo com o período de colheita do trigo na região. Os desenhos, inicialmente simples círculos, evoluíram ao longo dos anos para figuras mais complexas, com a incorporação de formas geométricas, linhas e curvas. Em 2009, por exemplo, um agroglifo em forma de seta com 44 metros de comprimento intrigou pesquisadores e moradores. Os desenhos iniciais aparentemente influenciaram também o surgimento em outras áreas.
Apesar da variedade de formas, alguns padrões se repetem: as pesquisas anteriores, na maioria dos casos, afirmaram não encontrar sinais ou rastros de pneus que indicassem a presença humana nas plantações. Também descreveram a disposição uniforme das plantas dobradas, geralmente no sentido horário. Mas a maioria dos agroglifos de Ipuaçu surgiu em áreas próximas a estradas, o que, para alguns pesquisadores, sugere uma intenção de torná-los visíveis aos transeuntes.

Desde 2008, a exceção à regra ocorreu em 2021, quando, em meio ao auge da pandemia de COVID-19, nenhum agroglifo foi registrado em Ipuaçu. Seria essa ausência uma consequência das restrições de circulação impostas pela quarentena? Teriam os supostos alienígenas responsáveis pelos desenhos se “isolado” para evitar uma contaminação interplanetária? A coincidência é, no mínimo, suspeita.
Ao longo dos anos, a figura de Ademar José Gevaerd, o editor da Revista UFO falecido no final de 2022, se tornou sinônimo da defesa da origem extraterrestre dos agroglifos de Ipuaçu. Gevaerd, por meio da revista, divulgou os casos, organizou expedições de pesquisa e atribuiu aos círculos uma autenticidade quase inquestionável, ligada ao fenômeno UFO. O ufólogo chegou a escrever um livro sobre o tema. Essa sua convicção, em algumas ocasiões, foi alvo de críticas por parte de céticos, que, em conversas reservadas, chegaram a insinuar sua participação na criação dos desenhos, embora nunca publicamente.
A ausência de relatórios detalhados, perícias técnicas e resultados de análises laboratoriais prometidos pela Revista UFO provavelmente contribuíram para acirrar a polêmica e amplificar o descrédito na hipótese de as marcas terem uma origem insólita. Além disso, as matérias defendendo a “legitimidade” dos agroglifos, em sua maioria, seguiam o modus operandi comum na pesquisa realizada sobre o tema até mesmo em outros países: baseavam-se em medições com instrumentos de baixa precisão, pouco rigor técnico na coletas de dados e amostras, além de opiniões baseadas em “sensações” subjetivas atribuindo uma origem ufológica ao fenômeno.

Com o aparecimento do agroglifo de 2024, quase dois anos após a morte de Gevaerd, os críticos do ufólogo claramente terão de buscar outro culpado. Mas uma coisa é certa: a Revista UFO teve uma atitude bastante objetiva. Embora tenha apresentado inicialmente uma enfática opinião favorável à “legitimidade” da figura, através do seu primeiro consultor a visitar o local, rapidamente reconheceu, ao menos, a possibilidade de uma fraude, após as investigações de Rafael Amorim.