Acobertamento ou ‘ritual de trote’? Wall Street Journal cria (mais) polêmica na ufologia dos EUA

Acobertamento ou ‘ritual de trote’? Wall Street Journal cria (mais) polêmica na ufologia dos EUA
Wall Street Journal cria (mais) polêmica na Ufologia dos EUA

A ufologia nos Estados Unidos vive atualmente um momento de intensa turbulência, marcado por profundas controvérsias e ânimos acirrados. De um lado, figuras como o Dr. Sean Kirkpatrick, ex-diretor do All-domain Anomaly Resolution Office (AARO), defendem a ausência de evidências empíricas para sustentar alegações de tecnologia alienígena ou programas secretos de engenharia reversa. Kirkpatrick, pautado por um relatório oficial, tem afirmado que tais alegações se baseiam em relatos não verificados e desinformação, criticando duramente testemunhos apresentados em audiências no Congresso.

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Do outro lado, ex-integrantes do governo como Christopher (Chris) Mellon, Luis (Lue) Elizondo, e o denunciante David Grusch, entre outros, representam um movimento que busca transparência, afirmando que dados fundamentais sobre Fenômenos Aéreos Não Identificados (UAPs) estariam sendo ocultados do público e do Congresso. É nesse contexto de divisão e desconfiança mútua que se insere uma reportagem recente do Wall Street Journal (WSJ), que adicionou mais lenha na fogueira de polêmicas da cena UAP norte-americana ao sugerir que o próprio Pentágono tem sido uma fonte primária da mitologia em torno dos OVNIs nos EUA.

Escrita por Joel Schectman e Aruna Viswanatha, a matéria do Wall Street Journal, apresentada como a primeira parte de uma investigação, argumenta que descobertas do AARO demonstram o uso deliberado de desinformação pelo Pentágono ao longo das décadas. O objetivo seria criar uma cortina de fumaça para proteger programas secretos de armas, como o desenvolvimento de caças furtivos na Área 51. Segundo o texto, um coronel aposentado da Força Aérea confessou a investigadores do Pentágono, em 2023, que na década de 1980, distribuiu fotos adulteradas de supostos discos voadores em um bar perto da Área 51, com a intenção de “proteger o que realmente estava acontecendo na Área 51”, ou seja, o desenvolvimento de aeronaves ultrassecretas como o F-117. A ideia era que, se moradores locais vislumbrassem os novos aviões, que “realmente pareciam de outro mundo”, acreditassem que “vinham de Andrômeda”.

Área 51 e suas placas de alerta contra intrusos (Por: X51 Flickr: https://www.flickr.com/photos/x51/ Web: http://x51.org | Wikimedia)
Área 51 e suas placas de alerta contra intrusos (Por: X51 Flickr: https://www.flickr.com/photos/x51/ Web: http://x51.org | Wikimedia)

A investigação do AARO, segundo o WSJ, também afirma a existência do que é descrito como um “ritual bizarro de trote” que teria durado décadas dentro da Força Aérea. Novos comandantes dos programas mais secretos receberiam, como parte de seus briefings, um pedaço de papel com uma foto de um suposto disco voador. A nave era descrita como um veículo de manobra antigravidade, e o programa associado, apelidado de “Yankee Blue”, seria um esforço de engenharia reversa dessa tecnologia. Os oficiais eram instruídos a nunca mais mencionar o assunto, e muitos “nunca souberam que era falso”. Kirkpatrick teria descoberto que essa prática continuaria até o passado bem recente, e o escritório do secretário de defesa enviou um memorando em 2023 ordenando seu fim imediato.

O incidente com mísseis nucleares de Robert Salas

Outra alegação histórica investigada foi o incidente de 1967 na Base da Força Aérea de Malmstrom, onde mísseis nucleares ficaram inoperantes durante um avistamento de UAP. O capitão aposentado Robert Salas, que estava de serviço naquela noite, relatou ter visto um “objeto oval vermelho-alaranjado brilhante pairava sobre o portão da frente” e que todos os 10 mísseis sob seu controle foram desativados. Ele e outros oficiais que testemunharam eventos semelhantes foram instruídos a “nunca comentarem o incidente”. A equipe de Kirkpatrick, porém, teria encontrado uma explicação terrestre: a Força Aérea estava testando geradores eletromagnéticos exóticos (“TEMPS”) para simular os efeitos de um pulso eletromagnético (EMP) em silos de mísseis para avaliar a vulnerabilidade do equipamento nuclear. Esses testes eram secretos para evitar que a União Soviética descobrisse essa fraqueza. Salas, no entanto, garante até hoje ter testemunhado uma intervenção intergaláctica para impedir uma guerra nuclear e denuncia isso como parte de um “acobertamento gigantesco”.

Robert Salas (cortesia Pablo Villarrubia)
Robert Salas (cortesia Pablo Villarrubia)

O artigo do WSJ conclui que o relatório público do Pentágono, divulgado no ano passado, omitiu fatos importantes sobre essa desinformação, com o objetivo de esconder as maquinações internas do próprio aparato de inteligência dos EUA. Segundo a investigação do Journal, a Força Aérea, em particular, pressionou para omitir detalhes que poderiam “comprometer programas secretos e prejudicar carreiras”.

O Pentágono reconheceu, em comunicado, que a AARO descobriu “materiais falsos de programas classificados relacionados a extraterrestres” e informou legisladores, mas não incluiu no relatório público de 2024 porque a investigação “não havia sido concluída”, esperando fornecer em um relatório posterior agendado para este ano. Para o WSL, essa falta de transparência total “apenas alimentou ainda mais as teorias da conspiração”.

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Repercussões e debate na comunidade ufológica

A publicação do artigo do Wall Street Journal provocou uma forte reação na comunidade ufológica, sendo amplamente debatido e questionado. Para muitos, a reportagem não representa uma “revelação” genuína, mas sim “uma continuação da desinformação disfarçada de divulgação”. A tática de “admitir a decepção passada ao mesmo tempo que descarta evidências modernas credíveis” é vista como uma forma deliberada de manipular a compreensão pública. Alguns críticos chegaram a comparar a publicação do WSJ ao “Project Mockingbird”, um programa da CIA da era da Guerra Fria que se infiltrou na mídia para moldar narrativas.

A explicação do WSJ para o incidente de Malmstrom, em particular, foi recebida com ceticismo e críticas severas. O Instituto New Paradigm, dedicado à luta pelo desacobertamento, além de outros comentaristas, apontaram falhas na tese do teste EMP. Argumenta-se que os efeitos de um pulso eletromagnético capaz de desativar sistemas de mísseis são geralmente irreversíveis, danificando a fiação interna, enquanto os mísseis em Malmstrom teriam retornado à funcionalidade logo após o incidente. Além disso, a ideia de o Departamento de Defesa conduzir tal teste em sistemas de mísseis nucleares operacionais durante o pico da Guerra Fria é considerada implausível. Os críticos notaram que o artigo ignorou incidentes semelhantes relatados em outros locais, incluindo na Ucrânia em 1982, que também envolveram UAPs e interrupção de sistemas de mísseis balísticos.

Outro ponto de forte contestação é a alegação do ex-diretor do AARO, Sean Kirkpatrick, de que as alegações de programas secretos de UAPs são resultado de um “ritual de trote” de décadas que envolveu “centenas e centenas de pessoas”. Muitos na comunidade ufológica veem isso como uma “reversão total da narrativa” de Kirkpatrick. Anteriormente, ele repetidamente afirmou que os relatos de programas secretos eram resultado de rumores originados de um “pequeno grupo de verdadeiros crentes”. Essa contradição percebida é considerada um ponto de evidência por si só, abalando a credibilidade de Kirkpatrick, que estaria apenas continuando a agir como parte da campanha de desinformação.

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Pentágono estaria apenas desviando a atenção?

A reportagem do WSJ foi vista por muitos como um esforço para “desacreditar denunciantes”, como David Grusch, retratando-os como meros “ingênuos de folclore institucional” em vez de fontes de testemunho crítico. Além disso, a narrativa é interpretada como uma tentativa de “controlar a narrativa”, limitando a história dos OVNIs a mitologias da Guerra Fria, “pegadinhas” e “trotes”, desviando o escrutínio de programas em andamento. A comunidade ufológica argumenta que o fenômeno UAP é mundial, documentado por décadas e envolve testemunhos de militares, pilotos e astronautas, que não podem ser facilmente explicados por “pegadinhas” ou desinformação direcionada apenas a cidadãos americanos.

A importância desse debate é significativa para o momento atual da Ufologia. Por um lado, a reportagem foi encarada como uma “tentativa terrível de emplacar uma história boba” por alguns na comunidade, mas também levanta uma séria questão sobre o papel do governo na formação da crença em OVNIs através da desinformação. Por outro lado, a própria natureza “absurda” de algumas das explicações apresentadas na matéria (como o “ritual de trote” de décadas) é vista por outros como uma “prova inegável de que o governo está conduzindo um acobertamento e uma campanha de desinformação massiva”. Paradoxalmente, o esforço aparente para enterrar o assunto com essas narrativas apenas “confirma tudo”.

Essa “salada de versões” abala a credibilidade tanto das fontes oficiais, como o AARO e seus representantes quanto, para alguns observadores externos, dos movimentos por “Disclosure”. A disputa coloca ainda mais pressão sobre a classe política para abordar a questão com maior rigor e transparência.

A tese de Kirkpatrick e a dinâmica da desinformação

Sean Kirkpatrick, em declarações anteriores, já havia apontado a existência de “um grupo de profissionais” que ocuparam altos escalões do governo, além de políticos e empreiteiros, que estariam “retroalimentando afirmações uns dos outros”, e com isso teriam fomentado a criação de programas e ações governamentais que gastaram milhões do orçamento público com questões como OVNIs sem apresentar provas conclusivas.

Seja real ou mais desinformação, sua tese apenas aprofunda a desconfiança geral sobre o Pentágono, quer seja pela fabricação de evidências falsas que teriam permitido o espalhamento de rumores para encobrir programas secretos, ou para de fato despistar alegações de que Washington operava (ou ainda opera) um programa secreto para coletar tecnologia alienígena.

Dr. Sean Kirkpatrick, diretor do Escritório de Pesquisas de Anomalias de Todos os Domínios - AARO
Dr. Sean Kirkpatrick, ex-diretor do Escritório de Pesquisas de Anomalias de Todos os Domínios – AARO (Foto: Wikipedia/NASA/Joel Kowsky)

Considerando essas duas perspectivas, é possível especular sobre uma dinâmica mais complexa, bem ao gosto dos entusiastas mais adeptos de teorias da conspiração: a possibilidade de uma “PsyOp dentro de outra PsyOp” (“Operação Psicológica”). Se o Pentágono realmente espalhou desinformação através de “pegadinhas” sobre tecnologia alienígena e programas de engenharia reversa (“Yankee Blue”) para “centenas e centenas de pessoas” dentro de seus programas mais secretos, é razoável supor que muitos desses indivíduos, genuinamente convencidos pela desinformação oficial, poderiam mais tarde se tornar parte do próprio “grupo de profissionais” que Kirkpatrick critica por fomentar crenças e programas.

Nesse cenário especulativo, a desinformação intencional do Pentágono teria criado e nutrido um grupo de crentes sinceros dentro do sistema. A ironia da situação é que, ao mesmo tempo, ela funcionaria para desviar as atenções da existência de programas reais de engenharia reversa e desenvolvimento de tecnologias de NHI (“inteligências não humanas”) adquiridas. Seja uma coisa ou outra, o resultado só poderia ser um aprofundamento da desconfiança em relação às explicações oficiais e a convicção na existência de um sistema que, por décadas, vem mentindo para seu próprio pessoal e para o público, e que continua lutando com garras e dentes para controlar todas as narrativas.

Jeferson Martinho

Jornalista, o autor é empresário de comunicação, dono de agência de marketing digital e assessoria de imprensa, publisher de um portal de notícias regionais na Grande São Paulo, fundador e editor do Portal Vigília. Apaixonado por Ufologia de um ponto de vista científico, é autor do livro "Nem Todo OVNI é Extraterrestre - Um guia para entusiastas da ufologia que não querem ser iludidos", disponível na Amazon.

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