Conferência sobre a Esfera de Buga: espetáculo ufológico disfarçado de ciência

Evento prometia revelações científicas inéditas, mas entrega mais do mesmo: contradições, testemunhos e espetáculo sensacionalista
Na prometida “coletiva de imprensa internacional” sobre a chamada Esfera de Buga — objeto metálico encontrado na cidade colombiana de mesmo nome — havia a expectativa de que finalmente viessem à tona análises científicas robustas, aprofundadas, capazes de dar novo fôlego à hipótese de que o artefato guardaria alguma característica verdadeiramente anômala ou inexplicada. No entanto, o que se viu no evento realizado ontem, 20 de junho de 2025, foi uma encenação cuidadosamente produzida, com transmissão ao vivo pela TV e redes sociais, em que o tom messiânico de Jaime Maussan tomou o centro do palco, e a ciência, mais uma vez, ficou em segundo plano.
A anunciada “coletiva de imprensa internacional” não teve, na prática, nenhuma participação expressiva de jornalistas de ciência ou repórteres investigativos. Nenhum grande veículo internacional ou regional se fez presente ou teve destaque nas interações com os organizadores. A promessa de que haveria espaço para perguntas não se cumpriu: apenas um interlocutor se identificou como vindo “do WhatsApp”, sem maior contextualização de seu papel jornalístico. A “imprensa”, aqui, era um adereço simbólico. O conteúdo, na prática, seguiu o mesmo roteiro das apresentações anteriores de Maussan: autoridades ufológicas conhecidas, testemunhas e uma apresentação convenientemente formatada de dados das análises técnicas já anteriormente divulgadas.
Entre os rostos conhecidos da Ufologia estavam até mesmo o congressista norte-americano Eric Burlison (republicano representante do Missouri) e o veterano advogado Daniel Sheehan, conhecido por sua atuação em casos históricos como Watergate, Iran-Contra e mais recentemente na defesa de denunciantes UAP nos EUA. Ambos estavam na fileira principal e foram introduzidos com pompa — como se sua mera presença fosse suficiente para garantir o selo de legitimidade institucional e jurídica à conferência. Na prática, sua função pareceu ser a de emprestar peso simbólico ao evento, compondo uma vitrine cuidadosamente orquestrada.
Sheehan limitou-se a prometer que trabalharia para evitar que o governo dos Estados Unidos confisque a esfera e declarou que o momento seria o “início público de uma grande investigação sobre tecnologia não-humana”. Burlison, por sua vez, reforçou o discurso de que o governo norte-americano estaria ocultando informações sobre inteligência não-humana, mas não apresentou nenhuma iniciativa concreta, projeto de lei ou relato direto que justificasse sua presença em um evento cujo foco deveria ser a divulgação de dados laboratoriais e comprovações materiais. Suas falas, embora recheadas de retórica típica do movimento Disclosure, serviram mais como pano de fundo para o espetáculo do que como contribuições efetivas. A impressão que ficou foi a de que ambos foram convidados apenas para reforçar a narrativa ufológica — não para questioná-la ou aprofundá-la.
Verniz científico: o mesmo de sempre
O ponto central do evento era apresentar os resultados dos testes feitos na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), amplamente anunciados na semana anterior como evidência definitiva de que a esfera seria algo “não-humano”. No entanto, a realidade é mais prosaica. O próprio relatório oficial, datado de 29 de maio de 2025 e assinado pelo Dr. Figueroa Vargas do Instituto de Investigaciones en Materiales (IIM/UNAM), e que foi publicado pelo Portal Vigília, é claro em suas conclusões: trata-se de um artefato industrial, composto por ligas comuns de alumínio e silício, fabricado por fundição com características típicas de processos terrestres. O documento técnico de 51 páginas, registrado em cartório, não faz qualquer menção a propriedades extraordinárias, muito menos afirma qualquer hipótese fora dos padrões científicos conhecidos.
Durante a conferência, no entanto, os engenheiros Rodulfo Garrido e David Abila Raldan — apresentados como “da UNAM” — tentaram dar outro tom à narrativa. Ambos, formados pela universidade mexicana, não têm vínculo ativo com a instituição atualmente. De forma sutil, porém importante, afirmaram que os testes foram realizados “na universidade”, mas destacaram que a UNAM não está envolvida diretamente na investigação nem chancela os resultados como parte de um estudo institucional. Em outras palavras: usaram os laboratórios da UNAM como prestadores de serviço, sem qualquer implicação formal da instituição sobre a natureza do objeto.
Garrido, por exemplo, chegou a afirmar que não houve alteração significativa na dureza do material com a aplicação de campo magnético. Mas minutos depois, Abila contradisse essa afirmação, apresentando dados segundo os quais a dureza da liga teria despencado de 333 HB para apenas 58 HB após exposição a um ímã de 6.000 Gauss. Também indicou uma elevação de temperatura súbita do objeto, de 24ºC para 33ºC, fenômeno que, segundo ele, poderia ser indicativo de uma interferência interna “quase viva”. As afirmações, apesar de carregadas de dramaticidade, não foram acompanhadas de descrições metodológicas completas e dados brutos que pudessem permitir qualquer verificação independente.
Tais inconsistências não passaram despercebidas. O relatório técnico da UNAM, já anteriormente divulgado pelo Portal Vigília, afirma categoricamente que a dureza da esfera não sofre alterações significativas com a aplicação de campo magnético, e que quaisquer variações observadas se devem a defeitos superficiais, espessura irregular e limitações do processo de fundição.
A ciência marginalizada, o testemunho glorificado
Ao invés de mais dados, gráficos ou análises complementares que pudessem confirmar ou refutar as alegações iniciais, o evento recorreu ao mais tradicional expediente da ufologia especulativa: os testemunhos. Um desfile de relatos foi promovido ao longo da conferência. O descobridor da esfera, José Aras Restrepo, contou que o objeto caiu de uma rede elétrica e passou a emitir sons, causar enjoos, boca seca, gosto metálico e até desidratar a vegetação ao redor. Seu primo, David Vélez (o representante da Germany Company, que repassou a esfera a Maussan), disse que a esfera aumentava de peso de forma progressiva, chegando a 10 kg, e que ela emitiu sinais que oscilavam entre 75 e 125 MHz, como uma antena fora do padrão. Nenhuma dessas medições foi registrada ou demonstrada de forma técnica. Nenhum laudo foi apresentado para corroborar esses relatos, apenas fotos de redes sociais e o testemunho dos descobridores da esfera.
Outros participantes, como Steven Greer — conhecido defensor da hipótese de que tecnologias alienígenas estão sendo suprimidas por governos e corporações —, preferiram reforçar narrativas de cunho conspiratório. Greer sugeriu que a esfera deveria permanecer no México por “segurança operacional” e revelou que símbolos idênticos aos da esfera foram vistos por um suposto membro das Forças Especiais norte-americanas, em instalações subterrâneas. A conexão, segundo ele, teria relação com “ativação genética da consciência”, uma ideia recorrente em discursos mais esotéricos do que científicos.

O apresentador espanhol Nacho Rojo, por sua vez, mostrou um vídeo comparativo entre a esfera de Buga e uma esfera pendurada em drone. Alegou que os movimentos não eram compatíveis com drones, embora não apresentasse nenhuma análise técnica ou medição precisa para fundamentar essa conclusão. Não foram discutidos tamanho e espessura da linha até o equipamento, peso e tamanho exatos da esfera, condições de vento etc. Ainda assim, ao contrário da interpretação do apresentador, o experimento demonstrava um comportamento visivelmente similar à “esfera real”.
Carla Estrada, produtora mexicana, afirmou que sentiu dor de cabeça ao se aproximar da esfera e que acreditava em vida extraterrestre. A jornalista e investigadora de UAPs Paola Harris e o advogado Josh McDowell (cujo caminho já cruzou com Maussan no caso das múmias de Nazca), por sua vez, apenas reforçaram a necessidade de investigação científica, mas sem apresentar dados ou propostas concretas para a continuidade de análises independentes.
Um teatro conhecido
No fundo, o evento serviu como uma tentativa de resgatar a narrativa construída por Maussan ao longo últimos meses, que vinha sofrendo desgaste após a publicação do relatório técnico da UNAM, cujas conclusões desmontam a ideia de um artefato inexplicável. O espetáculo, repleto de símbolos ufológicos e retórica grandiosa, foi estruturado para reforçar convicções já estabelecidas entre os simpatizantes do fenômeno UAP, e não para esclarecer dúvidas técnicas ou abrir caminho para o exame rigoroso dos dados.
Mesmo entre os canais brasileiros especializados, a reação foi dividida. O “Canal do Schwarza” criticou a metodologia empregada, apontando o uso de equipamentos veterinários para exames de imagem e o fato de que os engenheiros apresentados como da UNAM não mantêm vínculos com a universidade desde 2008. Schwarza destacou que o evento trouxe pouco de novo e parecia mais um “teatro” do que uma apresentação científica.
Já o canal “Galeria do Meteorito” demonstrou atitude oposta: declarou-se “muito impressionado” com os vídeos inéditos e relatos apresentados, e passou a considerar “altamente provável” que a esfera seja de origem não-humana. E mais: mesmo que estivesse exibindo em tela vídeos que em nada diferiam do comportamento de uma bola de vinil carregada por um drone, insistia: “olha esse movimento de pêndulo. Não é igual ao da esfera”…
A transparência do “dono da bola”
A conferência que prometia ser um marco de transparência científica sobre um possível artefato anômalo terminou por repetir os vícios históricos da ufologia espetaculosa. Pouco ou nada foi acrescentado ao que já se sabia — e, no que foi adicionado, prevaleceu o testemunho subjetivo, as interpretações forçadas e as contradições em relação ao único documento técnico realmente robusto apresentado até agora: o relatório da UNAM.
Mesmo com a constante repetição da palavra “transparência”, ficou notório que a condução do caso permanece nas mãos de um grupo fechado de entusiastas e consultores próximos de Maussan, sem clareza sobre os procedimentos técnicos adotados, tampouco com garantias de revisão externa independente. Durante o evento, foi dito que a esfera permanecerá no México, sob tutela da equipe organizadora, e que a Colômbia, país de origem do objeto, teve um pedido de devolução negado por Maussan, sob alegação de que “a equipe ainda está ocupada” com os exames. Não se explicou, contudo, como ou quando outros centros de pesquisa poderiam ter acesso ao artefato — o que, na prática, torna vazia a promessa de abertura irrestrita ao meio acadêmico.
Embora Steven Greer — que não é cientista — tenha falado sobre a possibilidade de testes adicionais em laboratórios norte-americanos, como análises isotópicas e datação por carbono, nada foi efetivamente anunciado em termos de protocolos, cronogramas, nomes de instituições envolvidas, ou de como esses procedimentos atenderiam a critérios mínimos de rigor científico, como o duplo-cego e a revisão por pares. As promessas de “testar a levitação” da esfera com carga eletrostática ou de “reativá-la” também ficaram no campo da especulação técnica, sendo descritas mais como exercícios de imaginação do que como planos concretos com base metodológica.
Em outro ponto ambíguo, muito se falou sobre “convidar cientistas independentes”, mas não se esclareceu como isso seria feito na prática. A única sinalização concreta foi o convite para que interessados entrassem em contato diretamente com o engenheiro Rodulfo Garrido — que, como o próprio admitiu, não atua mais pela UNAM e cuja participação nos testes continua cercada de questionamentos. Não se detalhou se esses futuros testes seriam conduzidos em instalações adequadas, com controle de variáveis, e tampouco se os resultados seriam posteriormente disponibilizados em forma de artigos científicos revisados por pares.
A ciência foi, mais uma vez, relegada ao papel de coadjuvante em um enredo conduzido por quem parece mais preocupado em reforçar narrativas do que em buscar respostas fundamentadas. A Esfera de Buga, ao menos por enquanto, permanece um mistério apenas para quem escolhe ignorar as evidências.