Documentos expõem bastidores da criação da Força Tarefa UAP, precursora do AARO

O tema dos Fenômenos Aéreos Não Identificados (UAPs), antes chamados apenas Objetos Voadores Não Identificados (OVNIs), continua a capturar a imaginação pública, desafiar explicações convencionais e, mais recentemente, a receber atenção dos políticos norte-americanos. Em resposta aos crescentes relatos de militares e preocupações com a segurança nacional, o governo dos Estados Unidos têm publicamente tentado demonstrar pro-atividade na criação de iniciativas para investigar e compreender esses eventos enigmáticos.
A Força-Tarefa de Fenômenos Aéreos Não Identificados (UAPTF) foi uma dessas iniciativas. A primeira desta nova fase da Ufologia dos EUA, completamente emaranhada em dúvidas e alegações de segredo envolvendo as comunidades militar e de inteligência. E, embora tenha tido uma existência relativamente breve, representou um marco nesse esforço, formalizando a atenção do Pentágono ao assunto.
Sua subsequente substituição pelo Escritório de Resolução de Anomalias de Todos os Domínios (AARO) sinalizou uma expansão no escopo da investigação, abrangendo anomalias em múltiplos domínios — ar, terra e água — mas representou sobretudo uma tentativa de coordenar ações civis, militares e de inteligência incorporando dados de múltiplas agências governamentais. Contudo, tanto a UAPTF quanto o AARO enfrentaram um cenário complexo, marcado por polêmicas, ceticismo público e altas expectativas quanto à revelação da verdade por trás desses fenômenos inexplicáveis. E está claro que, apesar das propostas de transparência de ambas as iniciativas, as correntes do segredo continuam a prender o tema a bolas de ferro lanças ao mar.
Um exemplo disso foi a liberação, somente depois de quase 5 anos da realização da solicitação, de informações relacionadas à criação e objetivos da UAPTF, conforme pedido feito pelo site The Black Vault através da Lei de Liberdade de Informação (FOIA). A FOIA concede ao público o direito de acessar informações detidas pelo governo federal dos Estados Unidos, atuando como um mecanismo essencial de supervisão e abertura. Organizações como o The Black Vault utilizam essa legislação para obter e divulgar documentos relacionados a UAPs, impulsionando o debate público e pressionando por maior clareza sobre o que o governo sabe e investiga.
Revelações FOIA continuam fortemente censuradas
Após quase cinco anos de espera, a solicitação feita pelo The Black Vault, ao Departamento da Marinha dos Estados Unidos trouxe à luz detalhes inéditos sobre a criação da Força-Tarefa de Fenômenos Aéreos Não Identificados (UAPTF) do Pentágono. O pedido, registrado como caso FOIA DON-NAVY-2021-003140 e protocolado em 14 de agosto de 2020, buscava informações cruciais sobre a gênese dessa iniciativa, incluindo declarações de missão, e-mails internos, memorandos e cartas relacionadas à sua formação.
A resposta da Marinha, datada de 22 de abril de 2025, consistiu em um conjunto de documentos fortemente censurados, mas que, mesmo assim, oferecem um vislumbre raro das origens classificadas da UAPTF. A principal revelação é a confirmação da existência de uma carta constitutiva altamente secreta da UAPTF, originária da Atividade de Inteligência Naval (NIA) e assinada em setembro de 2020. Este documento detalha a missão, os objetivos e as estruturas de relatório da força-tarefa, embora grande parte dessas informações permaneça sob classificações de segurança nacional.
A introdução não classificada da carta estabelece que a UAPTF foi uma entidade “mandatada pelo Congresso e dirigida pelo Vice-Secretário de Defesa”. Seu propósito declarado era “criar uma única entidade encarregada de trabalhar em todo o Departamento de Defesa e com a Comunidade de Inteligência (IC) e a Interagências, para desenvolver e executar planos para coletar, explorar e analisar dados operacionais, científicos e técnicos sobre Fenômenos Aéreos Não Identificados (UAP) inexplicáveis, que atualmente representam uma ameaça à Segurança Nacional dos EUA”. A missão da força-tarefa incluía esforços para “detectar, analisar, catalogar, consolidar e explorar veículos aeroespaciais avançados não tradicionais que atualmente representam uma ameaça operacional à Segurança Nacional dos EUA e evitar surpresas estratégicas”.
A divulgação da FOIA também incluiu dois memorandos adicionais, datados de 23 de setembro de 2020, que lançam luz sobre os esforços iniciais de coordenação para o estabelecimento da UAPTF. Além disso, a carta de divulgação da FOIA informa que documentos adicionais foram encaminhados ao Gabinete do Subsecretário de Defesa para Inteligência e Segurança (OUSD(I&S)) para análise posterior, indicando que mais informações podem vir à tona. O The Black Vault também informou que entrou com um recurso para contestar as edições excessivas nos documentos já divulgados.
Da UAPTF ao AARO: uma transição controvertida e (inicialmente) promissora
A Força-Tarefa de Fenômenos Aéreos Não Identificados (UAPTF) foi criada em agosto de 2020 sob a égide do Escritório de Inteligência Naval e do Gabinete do Diretor de Inteligência Nacional (ODNI). Sua missão primordial era “detectar, analisar e catalogar UAPs que podem potencialmente representar uma ameaça à segurança nacional dos EUA”.
O estabelecimento da UAPTF ocorreu em um período de intensificação de relatos por pilotos militares de encontros com objetos voadores exibindo capacidades de voo incomuns e origem desconhecida. Esse movimento representou um reconhecimento formal, por parte da cúpula militar e de inteligência, da necessidade de uma abordagem estruturada para investigar esses incidentes. No entanto, a UAPTF teve uma existência relativamente curta, sendo substituída pelo AARO em julho de 2022.
A brevidade da atuação da UAPTF suscita diversas indagações sobre sua real efetividade e as razões que levaram à sua substituição. Especula-se que a força-tarefa pode ter esbarrado em entraves burocráticos, insuficiência de recursos e uma falta de apoio consistente de lideranças de alto escalão. Conforme mencionado em discussões online, o próprio Sean Kirkpatrick, ex-diretor do AARO, teria utilizado a “negatividade desta comunidade (e às vezes o assédio direto) em relação à AARO e seus membros como um ponto para estigmatizar ainda mais o assunto”.
Essa alegação sugere que a falta de confiança e oposição de parte da comunidade ufológica podem ter sido explorados para minar a credibilidade da iniciativa. A transição para o AARO, com um mandato expandido para incluir anomalias em todos os domínios — aéreo, espacial, submerso e transmídia —, pode ter sido uma tentativa de centralizar e dar maior robustez aos esforços de investigação, além de envolver um leque mais amplo de agências governamentais. Essa mudança também pode ter sido motivada por uma crescente percepção, dentro do governo, de que o fenômeno UAP não se limitava ao espaço aéreo, representando uma potencial ameaça em outros ambientes operacionais.
Polêmicas e expectativas em torno do AARO
Tanto a UAPTF, a seu tempo, foi quanto o AARO, atualmente, envolveram-se em controvérsias e debates acalorados, dentro da comunidade engajada no tema e entre legisladores preocupados com a segurança nacional e a transparência governamental. Uma crítica recorrente à UAPTF era a percepção de opacidade e um histórico de acobertamento por parte do governo em relação ao fenômeno OVNI/UAP.

Essa desconfiança não se dissipou com o surgimento do AARO, especialmente durante a gestão de seu primeiro diretor, Sean Kirkpatrick. Kirkpatrick foi alvo de críticas quanto à sua “postura, coerência e transparência”, com alguns questionando se sua liderança visava genuinamente a elucidação do fenômeno ou, em vez disso, a sua desmistificação e o controle da narrativa pública. A saída de Kirkpatrick gerou ainda mais especulações, com debates sobre os reais avanços alcançados durante seu período à frente do escritório.
A nomeação do Dr. Jon Kosloski como o novo diretor do AARO reacendeu as esperanças de uma abordagem mais aberta e colaborativa. Kosloski expressou publicamente seu desejo de “trabalhar na desclassificação desses casos ‘realmente anômalos’ para que o público e a academia possam vê-los”, uma postura que contrasta marcadamente com a de seu antecessor. Essa declaração foi vista por muitos como um sinal promissor de maior transparência e disposição para enfrentar os aspectos mais intrigantes do fenômeno UAP.
No entanto, persiste um ceticismo considerável, alimentado pelo “histórico do tratamento do governo sobre este tópico, remontando ao Projeto Livro Azul e ao Relatório Condon”. Alguns argumentam que, apesar das declarações otimistas, o AARO, “tão inextricavelmente ligado à operação de percepção pública do DoD” (Departamento de Defesa), pode ainda enfrentar limitações em sua capacidade de divulgar informações sensíveis.
A comunidade ufológica, marcada por décadas de desconfiança, adota uma postura de cautela, preferindo “reservar meu julgamento até ver ações, não apenas palavras” e insistindo que “confiança é conquistada, não dada”. A expectativa é que o AARO demonstre uma mudança real em suas ações, em vez de apenas prometer transparência, para que possa efetivamente reconstruir a confiança do público e avançar na compreensão dos UAPs. O futuro dirá se a nova liderança do AARO conseguirá navegar pelas complexas dinâmicas políticas e sociais que envolvem este tema fascinante e persistente.