Serra da Beleza: reanálise de imagens expõe controvérsias e desafia testemunho de ufólogo

Quase quatro anos após a divulgação de um intrigante caso ufológico na Serra da Beleza, em Conservatória (RJ), a história apresentada originalmente pelo engenheiro eletrônico e pesquisador Rony Vernet volta aos holofotes, não para confirmar a ocorrência de um evento extraordinário, mas para reacender uma polêmica que pairava sobre o testemunho do ufólogo.
Pelo menos para um eclético grupo de pesquisadores, a questão central não é mais a estranheza de um suposto fenômeno anômalo registrado, mas como um ufólogo em ascensão na Ufologia poderia ter interpretado como insólita uma sucessão de eventos triviais. Mas o que de novo surgiu para que o caso voltasse a ganhar notoriedade e, mais ainda, ser tão questionado?
Para responder a essa pergunta, é preciso resgatar a história. Em junho de 2021, durante uma vigília ufológica na Serra da Beleza – região famosa por supostos avistamentos – Vernet capturou fotos e vídeos daquilo que interpretou ser um objeto luminoso e supostos seres gigantes próximos ao “cruzeiro”, uma cruz de 11 a 12 metros (ou 6 a 7 metros, segundo outras fontes) localizada no alto de um morro. A instalação fica próxima a uma pousada frequentemente visitada por ufólogos e curiosos interessados em Ufologia.

A divulgação do material à época gerou grande repercussão na comunidade, mas a reação não foi prontamente negativa. No máximo, despertou uma incredulidade pouco menos que silenciosa em alguns bastidores ufológicos. Agora, quase quatro anos depois, surgiram os primeiros questionamentos contundentes sobre a veracidade do caso e a interpretação de Vernet sobre os acontecimentos.
O que o pesquisador Rony Vernet diz ter visto
Segundo Vernet, a experiência foi marcante e repleta de elementos inexplicáveis. Em seu vídeo original, publicado em seu canal no YouTube algum tempo depois do avistamento, ele descreveu o momento em que percebeu a presença do objeto:
“Quando olhei o Cruzeiro, essa cruz no alto do morro, que tem 10 metros de altura, ela não estava mais lá (…) no lugar, havia uma luz, uma esfera luminosa (…) estava tapando ali o Cruzeiro… Era uma esfera laranja com cor de ferro fundido”.
Ainda segundo Vernet, o objeto não estava sozinho. Ao utilizar um binóculo para observar o fenômeno mais de perto, ele se deparou com algo ainda mais surpreendente:
“O que eu pude ver foi uma silhueta, uma sombra, como se fosse algo que tivesse junto com a luz. Não era só uma luz, havia uma sombra ali (…)”.
Essa descrição – de não uma, mas duas “silhuetas” ou “sombras” acompanhando a luz, com uma forma indefinida – adicionou um elemento ainda mais misterioso ao caso. Vernet chega a referir-se a elas como similares a “dementadores”, numa referência às figuras fantasmagóricas das histórias de Harry Potter. O ufólogo relatou ter se assustado com a experiência, especialmente ao tentar registrar o fenômeno com seu binóculo acoplado a um celular:
“A primeira reação que eu tive foi pegar o binóculo (…) [que] aproxima 30 vezes. (…) Só que, quando eu peguei, escorreguei, e no final caiu tudo junto, com o ajuste. (…) Esse aparato aqui demora um pouquinho, dois ou três minutos para montar, então ele desmontou todo”.
A dificuldade em registrar o objeto, somada à sensação de medo e surpresa, intensificou a aura de mistério em torno do caso do pesquisador. Ainda assim, ele conseguiu registrar algumas fotos e um vídeo do acontecimento.
Vernet também descreveu um comportamento incomum do objeto, que parecia “dançar” em volta da cruz:
“Pelo que eu vi antes, ele ficava na base da cruz, ia para trás dela e ficava dançando em volta. A silhueta escura acompanhava o objeto ou, às vezes, tampava tudo”.
Essa movimentação errática e a presença constante da “sombra” alimentaram as especulações sobre a natureza do fenômeno e a possibilidade de tratar-se de algo além de um objeto voador não identificado.
Apesar da riqueza de detalhes no relato de Vernet, as imagens capturadas não ofereciam a mesma clareza. A qualidade das fotos e vídeos, somada à distância do objeto e às condições de luminosidade, dificultaram a análise e abriram espaço para diferentes interpretações.
Desconstruindo um enigma? Análises contestam o relato de Vernet
Agora, quase quatro anos depois, a polêmica em torno do caso vivenciado por Vernet ganhou novo fôlego com uma análise minuciosa realizada na live do canal Ufologia Paralela com Rafael Amorim. Na transmissão, realizada no último dia 19 de fevereiro de 2025, diferentes especialistas apresentaram teses e evidências que contestam a interpretação insólita do pesquisador/testemunha para os eventos na Serra da Beleza naquela noite.

Um dos pontos centrais da discussão foi a questão do tamanho da cruz. Segundo o especialista em TI e pós-graduado em engenharia de software, Aleksander Lima (Alek):
“Nós fizemos um debate inclusive sobre o tamanho possível dessa cruz. O professor Jung [Prof. Dr. Carlos Fernando Jung, outro participante da live] passou uma foto dele tirada ao lado de uma torre. Aí, alguém – não sei quem – no grupo disse ‘ah, é impossível medir objetos em uma foto tridimensional porque você vai ter que calcular a distância focal e tal’. Concordo com você, tá tranquilo. (…) O que ocorre aqui é que o professor estava na mesma linha planimétrica da torre. (…) Então, se eu sei o tamanho do professor, eu descubro o tamanho da torre”.
A análise de Lima sugere que a percepção do tamanho da cruz nas imagens de Vernet pode ter sido distorcida, influenciando a interpretação do tamanho do objeto anômalo e das silhuetas observadas. Os pesquisadores concluíram que a cruz tem, de fato, entre 6 e 7 metros de altura.

Outra questão levantada na live foi a interferência de aberrações cromáticas nas imagens. Lima demonstrou como o brilho intenso da cruz, sob a luz dos refletores instalados no local, gerou imagens sobrepostas da própria cruz no registro fotográfico:
“Ela [a aberração] escalona um objeto em várias vezes”, disse.
O professor Jung, diretor do Observatório Espacial Heller & Jung – uma iniciativa privada em Taquara, no RS – também participou da análise, contribuindo com sua expertise em fenômenos físicos e ótica. Para ele, a longa exposição utilizada nas fotos de Vernet pode ter influenciado a percepção da luz e das formas:
“Quando é feito esse tipo de exposição, aumenta significativamente a magnitude da luz; de qualquer luz, até de uma estrela. Então, é um primeiro problema que impede, muitas vezes, uma análise mais detalhada”.
Além disso, o professor Jung questionou a interpretação de Vernet sobre a presença de “vultos” ou “seres” nas imagens:
“Quanto à ideia de surgimento de algum vulto de um tamanho maior, né, alguma coisa assim, existe um efeito físico, muito simples, que a gente chama de sombra”. Para Jung, as supostas figuras poderiam ser apenas sombras projetadas por pessoas ou objetos próximos à cruz.
Responsável pelo canal, Rafael Amorim – consultor da Revista UFO, apresentador e atualmente consultor do History Channel – agradeceu e elogiou o envio das imagens originais por Vernet, tentando contemporizar o atrito:
“Nós vamos ouvir ele [Rony Vernet] na semana que vem e, aí, para mim, é caso encerrado”, disse.
A fala soou como uma espécie de defesa para as críticas no chat do canal, que questionavam o fato de Vernet não ter participado da exposição do caso nem tido a oportunidade de defender seus pontos de vista. Os participantes esclareceram que a ausência se deveu a problemas de agenda, embora ele tivesse sido convidado.
Embora todos tenham evitado dar o caso por “esclarecido”, o clima ao final da live era exatamente esse. Vez ou outra, alguém fazia uma ressalva quanto à possibilidade de fenômenos anômalos realmente ocorrerem na Serra da Beleza. E, mesmo avaliando dados a partir das imagens, recriações tridimensionais da cena e das condições em que foram captadas, nenhum dos analistas esteve no local para aferir dados exatos – fato que não passou despercebido pelos participantes do chat.
O que levou à reanálise do caso do cruzeiro
A reanálise do caso de Vernet, quase quatro anos após sua ocorrência, não foi um evento isolado, mas sim o resultado de uma série de fatores e discussões dentro da comunidade ufológica. Nas últimas semanas, o episódio passou a ser bastante questionado em grupos formados majoritariamente por ufólogos conhecidos, alguns deles o próprio Vernet, em especial após o grande espaço que o pesquisador vem conseguindo em podcasts de grande alcance. Alguns desses questionamentos chegaram a escalar para discussões de ânimos mais acirrados.
O Portal Vigília procurou alguns dos participantes da live para saber suas impressões. Rafael Amorim explicou que a decisão de revisitar o caso do cruzeiro surgiu a partir de discussões em grupos de ufologia e da necessidade de oferecer respostas a questionamentos persistentes:
“O que levou o time a ser selecionado para esse caso em particular? Não é ele em particular; não foi um caso específico para nós. A gente faz isso seguidamente, quando aparece algum tipo de caso em algum site, podcast, live – ou seja, na rede social – e que muita gente precisa de resposta”, afirma Amorim.
Ele ressalta que a iniciativa não foi direcionada especificamente ao caso Vernet, mas sim uma prática comum do grupo em relação a ocorrências que geram debates e demandam análises mais aprofundadas. Amorim traça um paralelo com o caso do “UFO no Cafezal”, apresentado pelo canal Verdade Mundial, no qual sua equipe realizou uma análise que revelou tratar-se de um prato pendurado em um fio:
“Então, o nosso trabalho é esse para toda a ufologia. Só que ficou demais, né? Quando se apresenta, por exemplo, um cara como Rony Vernet – e outros que a gente conhece – e apresentam um caso mal resolvido…”, ponderou, ressaltando a necessidade de uma análise mais rigorosa.
Para Alek, a escolha do caso Vernet se justifica pela “falta de um material evidencial forte” e pelas “inconsistências entre o relato do autor e as imagens capturadas”. “É um caso que o próprio professor, na live de ontem, disse que não tinha nem vontade de estudar muito, porque há muitas falhas em um material que não restasse dúvidas”. Alek enfatiza que sua “briga é com as imagens”, e não com o depoimento pessoal de Vernet.

Vernet: analistas não conhecem a região e não ouviram a testemunha
Questionado sobre a ausência de uma simulação in loco, Amorim argumenta que a equipe já demonstrou ser capaz de analisar casos com precisão mesmo à distância:
“Não, essa necessidade in loco sempre é muito bem vista em primeiro lugar, tá? Mas a gente já mostrou, já provamos por A+B+C que, para descobrir se um caso é verdadeiro ou falso, não precisamos estar lá”, afirma.
Amorim ressalta que muitos ufólogos que visitam locais de eventos ufológicos chegam a conclusões equivocadas. Ele menciona os agroglifos de Ipuaçu, nos quais ufólogos atestaram a autenticidade do fenômeno, enquanto uma investigação in loco revelou tratar-se de uma produção humana:
“Então, a coisa complica muito nesse lugar, nesse caso – ou no caso Magé, em que houve exatamente a mesma coisa”, conclui.
O Portal Vigília também conversou com Rony Vernet, que minimizou a importância da análise da live, atribuindo o interesse repentino ao fato de ter participado do Flow Podcast. Quando procurado pelo Vigília, o pesquisador disse não ter conseguido ver o programa devido a compromissos de agenda e de trabalho, mas deu a entender já ter conhecimento da abordagem utilizada:
“Resolveram ressuscitar o cruzeiro depois que fui no Flow”, disse.
Ele ainda criticou a falta de conhecimento da região pelos colegas ufólogos e a ausência de uma entrevista com a principal testemunha do caso:
“Ainda não vi a live, mas já sei que há várias falhas – como, por exemplo, não saber o tamanho da cruz, não conhecer a região e não ter entrevistado a testemunha que fez o registro”, ponderou.
O pesquisador foi bem específico em relação ao tamanho do cruzeiro. “A cruz tem provavelmente 12 metros. Quando foi construída mediram 11,70m”. E completou: “11,10m, sobre dois ressaltos de 30cm”.
“O que posso adiantar é que qualquer pessoa que análise de forma detalhada as fotos usando filtros de processamento de imagens e os vídeos quadro a quadro vai perceber que é completamente impossível reproduzir aquilo”, garantiu.
Vernet também revelou que está trabalhando em um documentário sobre o Acre (outra pesquisa de sua autoria), que terá cenas da Serra da Beleza e a análise de frames (fragmentos de vídeo) inéditos da filmagem no Rio de Janeiro:
“No documentário do Acre vai ter alguns frames do vídeo que ninguém nunca percebeu”, garantiu.
As relações entre os antes colegas de ufologia parecem ter azedado antes mesmo da live. Mas a polêmica em torno do caso do cruzeiro demonstra que ninguém está isento do escrutínio aprofundado e de divergências em busca de explicações definitivas. Isso é bom para a Ufologia, pois, depois do debate e da análise crítica de cada ocorrência, o que sobrar realmente inexplicado tem maior chance de não se manter apenas no campo da lenda anedótica, mas de fornecer dados reais para a compreensão de uma realidade supostamente insólita.

Ao revisitar o passado e questionar as interpretações originais, a Ufologia aprimora sua metodologia de investigação e evita conclusões precipitadas. Como ressaltou Amorim, “a gente tem que desconfiar de todo mundo até que se prove o contrário, porque senão fica aquela coisa superficial”.