UAPs: jornalista do NYT fala sobre o desafio de reportar e a barreira do sigilo governamental

O jornalista veterano do New York Times, Ralph Blumenthal, que co-assinou o artigo de 2017 amplamente creditado por reacender a fascinação global pelos Objetos Voadores Não Identificados (OVNIs), agora denominados Fenômenos Aéreos Não Identificados (em inglês, UAPs), concedeu uma longa entrevista detalhando a evolução da cobertura midiática quanto ao tema, a relutância do governo em informar e a natureza enigmática dos fenômenos.
A conversa, publicada no canal “All Across America” no YouTube, serviu como um profundo mergulho na história de décadas de sigilo oficial e nos desafios enfrentados por repórteres que buscam a verdade sobre um assunto frequentemente estigmatizado.
Durante a discussão, Blumenthal, que trabalhou no Times de 1964 a 2009 e com o qual continua contribuindo, reiterou a natureza de “mistério autêntico” do fenômeno, o qual desafia explicações fáceis e muitas vezes envolve objetos físicos capazes de manobras que aeronaves conhecidas não podem replicar.

Ele enfatizou que, embora o governo dos EUA tenha avançado recentemente ao reconhecer que “essas coisas são reais”, o cerne da questão—se estamos sozinhos e qual é a origem desses objetos—permanece sendo “a questão fundamental para toda a humanidade”. A principal razão histórica para a manutenção do sigilo governamental, na visão do repórter, é a percepção de que a população não confiaria mais no governo para protegê-los se soubessem da verdade, além da tentativa de reter tecnologia potencialmente crucial por motivos de segurança nacional.
O fenômeno, o governo e o estigma da imprensa
A publicação do artigo de 2017 no New York Times, co-escrito por Blumenthal, Leslie Kean e Helen Cooper, é vista como um divisor de águas que deu segurança a outros jornalistas para relatar sobre UAPs sem o medo de serem ridicularizados. No entanto, o jornalista observou que a cobertura subsequente nem sempre foi do seu agrado, especialmente quando outros outlets tentaram explicar o fenômeno por meio de teorias conspiratórias simplistas.
Blumenthal criticou abertamente abordagens que buscam “explicações fáceis”, como um artigo recente no Wall Street Journal que, segundo ele, explicou todas as aparições como uma campanha de desinformação do governo. Embora reconheça que a desinformação governamental “aconteceu e continua há décadas”, ele argumenta que isso “não explica os milhões de avistamentos” que permanecem sem solução, incluindo os casos de abdução investigados por John Mack. Para Blumenthal, a redução de todos os avistamentos a uma campanha psicológica é, em si, uma teoria conspiratória:
“É quase como se as pessoas estivessem a explicar uma teoria da conspiração de que os OVNIs existem com outra teoria da conspiração de que o governo está a conduzir um assim chamado PSYOP, uma operação psicológica sobre o povo americano”.
O jornalista enfatizou que o fenômeno, muitas vezes, “desafia a explicação fácil”, com relatos ocorrendo à luz do dia e envolvendo objetos que exibem capacidades que nenhuma aeronave conhecida pode igualar. Ele citou o exemplo dos recentes avistamentos em Nova Jersey que a imprensa classificou como “drones”, uma categorização que ele vê como problemática: “chamar estas coisas de drones é realmente pressupor o que são. Não sabemos o que são, pelo menos não em todos os casos”.
Há uma ironia no fato de que o governo dos EUA tem estado mais disposto a admitir a realidade dos objetos do que alguns jornalistas. Blumenthal notou que, em relatórios recentes, o governo “reconheceu que estas coisas são reais, o que é um tremendo passo em frente”, após décadas negando os avistamentos como alucinações ou fabricações. No entanto, alguns jornalistas, talvez tentando mostrar-se “independentes e duros,” resistem em aceitar essa realidade, o que perpetua o estigma sofrido por testemunhas que relutam em se manifestar publicamente.
O desafio da verificação e o papel dos denunciantes
A abordagem de Blumenthal e Leslie Kean na cobertura do tema para o New York Times sempre se pautou por um padrão de verificação extremamente alto, priorizando fontes nomeadas em vez de anônimas. Ele afirmou a Mark que, embora ele e Kean tenham conversado com muitas pessoas que alegam “ter visto naves com os próprios olhos” ou “ter posto as mãos nas naves”, e até mesmo “ter visto corpos alienígenas”, eles não relatam essas informações publicamente a menos que consigam verificá-las e que atinjam o “padrão de prova e divulgação que o New York Times exige”.
A credibilidade é um fator chave, e por isso eles priorizam especialistas militares e oficiais do Pentágono, como o piloto David Fravor, que possuem “um histórico comprovado de credibilidade”. A credibilidade também foi o motivo pelo qual as declarações de David Grusch, ex-agente de inteligência com histórico militar impecável, devem ser “levadas a sério”, mesmo quando ele relata detalhes sensacionais. Grusch testemunhou que os EUA e outras potências têm acesso a naves acidentadas e estão trabalhando arduamente para fazer a “engenharia reversa” dessa tecnologia, incluindo a descoberta de “corpos alienígenas” nos destroços.

Apesar do surgimento de denunciantes (whistleblowers) como Grusch e Lue Elizondo (ex-chefe do programa AATIP, do Pentágono), que trouxeram informações cruciais a público, eles enfrentam “retaliação terrível”. Blumenthal confirmou que a retaliação contra denunciantes é um “problema terrível” e que as contas são críveis, inclusive relatos de pessoas que foram mortas, conforme Grusch teria testemunhado perante o Congresso.
Um obstáculo adicional à divulgação é que o Ato de Liberdade de Informação (FOIA) se aplica ao governo, mas não a empreiteiras de defesa privadas como a Lockheed. Blumenthal indicou que há muitos relatos de que estas empresas aeroespaciais são o “repositório final de algum deste material de outro mundo”, mas a falta de acesso público e a membros do Congresso impede a confirmação, o que ele sugere poder ser intencional devido à relação estreita entre o Departamento de Defesa e os contratantes. O sigilo tem sido mantido até mesmo do poder legislativo, já que Congressistas foram “enganados” e tiveram informações retidas “impropriamente, talvez ilegalmente”, sobre a alocação de orçamentos para programas UAP.
O legado de John Mack e a natureza da consciência
A jornada de Blumenthal para cobrir o fenômeno UAP começou, curiosamente, com a descoberta de um livro intitulado Passport to the Cosmos, escrito pelo psiquiatra de Harvard John Mack. Blumenthal se interessou por Mack porque ele era um luminar em psiquiatria que se tornou corajosamente interessado em relatos de abdução, levando a sério os testemunhos de pessoas que alegavam ter sido levadas por alienígenas.
Mack, que também era vencedor do Prêmio Pulitzer, enfrentou intensa crítica acadêmica, sendo investigado por Harvard por se envolver com um campo tão “desreputável”. No entanto, seu trabalho como investigador foi rigoroso, pois ele descartou explicações patológicas comuns, como pesadelos. Blumenthal disse a Mark que Mack, sendo um especialista em pesadelos, concluiu: “eu estudei pesadelos, estes não são pesadelos, pelo menos não são pesadelos normais”. Muitas das experiências de abdução ocorreram à luz do dia ou envolviam componentes físicos, como marcas no corpo ou evidências ambientais.
Embora Mack tenha inicialmente levado os relatos literalmente, ele acabou se afastando dessa visão. Ele via os encontros como experiências intensas, que os “experienciadores” acreditavam ser reais, mas que não se encaixavam na realidade diária. Mack começou a ver o fenômeno como algo “liminar, um estado de fronteira que é parcialmente verdadeiro e parcialmente dimensional”. Essa mudança o levou a relacionar as experiências de UAP com outros fenômenos paranormais que desafiam a compreensão, como precognição e visão remota.
Essa perspectiva de Mack ressoou com Blumenthal, que acredita que a consciência está intrinsecamente ligada ao fenômeno UAP. Ele citou cientistas como Gary Nolan, de Stanford, que estudam as capacidades da mente humana de ir além dos limites físicos. Para Blumenthal, há muito a ser aprendido sobre “que poderes de consciência existem”. Ele concluiu que o processo de “divulgação” é, na verdade, um “alvo móvel” e que, embora o governo não vá simplesmente revelar todos os arquivos, o aumento de informações disponibilizadas por denunciantes e por membros corajosos do Congresso garantirá que a próxima geração “terá mais informações disponíveis” do que nunca.
Confira, a seguir, a entrevista completa: