A Teoria da Distorção: na mente do fenômeno OVNI

A Teoria da Distorção: na mente do fenômeno OVNI
José Antonio Caravaca mostra como a Teoria da Distorção pode ajudar a (re)interpretar as estranhezas do fenômeno OVNI
Compartilhe

Embora para a maioria dos entusiastas dos OVNIs possa parecer que a teoria extraterrestre é a única resposta verossímil e razoável para explicar as manifestações erráticas desse enigmático fenômeno, ficariam surpresos ao saber que, hoje em dia, são poucos os estudiosos que acreditam cegamente nessa sugestiva, mas nunca comprovada, hipótese. E é que, com o passar dos anos, a ideia de que estamos sendo visitados por seres alienígenas foi perdendo força, na mesma medida em que nosso conhecimento do paradigma foi desenhando uma cartografia muito mais complexa e difusa do que se imaginava nos primeiros passos da investigação ufológica. Nem mesmo o ufólogo mais pessimista imaginou que em pleno 2024, 77 anos depois, estaríamos praticamente com as mesmas perguntas e poucas provas que no distante 1947.

----publicidade----

Por isso, nos últimos anos, vários pesquisadores em diferentes partes do mundo têm trabalhado em diversas teorias com a intenção de sair de uma vez por todas desse enredo. Para começar, uma das maiores questões levantadas pelo estudo dos OVNIs tem sido a dicotomia existente entre os avistamentos distantes de estranhas luzes e aeronaves no céu, e os encontros próximos com discos voadores e seus travessos ocupantes. Muitos pesquisadores estão convencidos, desde o início, de que se trata de fenômenos diferentes, apesar de tudo apontar para pontos em comum e uma mesma origem. A dissonância entre ambos os conceitos era notória para passar despercebida. Nos casos de pouso dos OVNIs havia três aspectos extremamente desconcertantes que os pesquisadores demoraram muito tempo para aceitar:

  1. O aspecto das naves e seus ocupantes compartilhavam muitas coisas com nossa civilização. Como se os hipotéticos extraterrestres tivessem tido uma evolução muito semelhante à dos terráqueos. De fato, os relatos eram pouco críveis porque as naves tinham escadas, janelas, computadores e alavancas e os tripulantes usavam escafandros, pistolas de raios e até cintos e botas. Tudo parecia muito ordinário para ser alienígena.
  2. O comportamento dos ufonautas era caótico e absurdo na maioria das vezes.
  3. De maneira incompreensível, os conteúdos relatados nos incidentes não se repetiam de um evento para outro. Como se cada encontro se reiniciasse do zero, sem levar em conta nada do que havia acontecido anteriormente.

Os pousos de discos voadores e o desembarque de seus ocupantes mostraram muitas nuances em muito pouco espaço de tempo. Já que, entre outras coisas, se levássemos em conta os inúmeros testemunhos, parecia que estava em andamento uma autêntica invasão extraterrestre, com centenas de tripulações diferentes pousando aqui e ali. A imagem que os encontros próximos nos transmitiam era muito absurda, e os ufólogos achavam praticamente impossível submeter o fenômeno a qualquer escrutínio ou classificação para sua análise.

As naves e seus ocupantes sempre compartilharam muitas coisas com nossa civilização. Como se extraterrestres tivessem uma evolução semelhante à nossa (Criado por IA - cortesia do autor)
As naves e seus ocupantes sempre compartilharam muitas coisas com nossa civilização. Como se extraterrestres tivessem uma evolução semelhante à nossa (Criado por IA – cortesia do autor)

Os supostos visitantes estelares realizavam as mais variadas e irracionais ações diante dos observadores desprevenidos, desde consertar o disco voador como um turista acidentado, perguntar as horas e até recolher galhos e arbustos do chão como um entusiasta da botânica. E, naturalmente, nada disso estava nas previsões e augúrios que a ufologia tradicional havia feito.

As manifestações ao nível do solo, os pousos e encontros próximos, exibiram uma inquietante e avassaladora ambiguidade nunca antes registrada. Tão logo se revelavam como objetos e seres completamente físicos e “ordinários”, como de repente, quase por mágica, em outros eventos pareciam ter uma realidade muito mais etérea e volátil, quase de ordem psíquica. Como se, em vez de serem aeronaves impressionantes de metal fabricadas em um hangar, fossem autênticos fantasmas aéreos que escapavam de seus castelos situados nas nuvens para provocar o assombro e o espanto entre as testemunhas atônitas, mas em vez de arrastar correntes, disparavam raios de luz coloridos e zumbiam.

O estudo minucioso dos relatos mostrou que os OVNIs tinham mais pontos em comum com o folclore de outros tempos do que com supermáquinas de porcas e parafusos enviadas à Terra por uma civilização avançada. Jacques Vallée já previu sabiamente no final dos anos 1960 que estávamos testemunhando a conformação de um novo folclore de consequências imprevisíveis. De forma inesperada, com o passar das décadas, a hipótese extraterrestre perdeu credibilidade diante da grande quantidade de indícios que indicavam que os ufonautas estavam mais ligados à mitologia e às crenças humanas do que a uma hipotética realidade extraterrestre. Mas isso não significa que estamos lidando com alucinações, enganos ou distúrbios mentais, mas que nos deixamos levar, nas primeiras instâncias, pela imagem evocativa do fenômeno óvni sem suspeitar que talvez as aparências estavam nos enganando. A teoria da distorção propõe um cenário alternativo a essa ideia. E para isso são formuladas perguntas que podem nos levar a novos e inexplorados territórios.

OVNIs: o último folclore?

Poderíamos considerar a experiência de Kenneth Arnold (que deu início à ufologia em 1947 com seu mediático avistamento sobre o Monte Rainier), independentemente de sua natureza, como um detonador sem precedentes no seio da imaginação humana para a translação ideográfica de um folclore moderno? Explico. Em quase todas as culturas do planeta existem velhas crônicas de encontros com entidades desconhecidas que aparentemente habitavam em paraísos invisíveis, reinos celestes ou no próprio além. Essas experiências, independentemente de outras considerações sobre sua realidade física, têm uma realidade cognitiva indiscutível que levou à elaboração de crenças sobrenaturais, mitologias complexas e até mesmo ao surgimento de cultos e religiões. Ninguém pode duvidar que as pessoas consideravam esses encontros reais, e que refletiam a existência de um fenômeno fascinante, qualquer que fosse sua natureza, com amplas ramificações psíquicas. Mais paradigmático ainda, é que se pôde documentar que a maioria dessas manifestações forteanas possui um traço endêmico marcante, que faz com que determinadas aparições não tenham uma repetição exata em outras partes do planeta. Como se determinadas aparições estivessem enclausuradas em algumas zonas sem poder sair delas por alguma razão. Mas como isso é possível? Será que essas entidades e inteligências não possuem a capacidade de se deslocar de um lugar para outro?

----publicidade----

Aparentemente, as aparições de entidades desconhecidas têm necessitado de um suporte cultural, ou seja, da transmissão oral ou escrita, para se deslocar de um lugar para outro. Isso não quer dizer que essas manifestações tenham como origem o “contágio psíquico” como define a teoria psicossocial ou a psicologia clássica, já que muito provavelmente em outros lugares existem crenças em coisas muito parecidas, que, no entanto, ostentam uma estética diferente.

E aqui encontramos uma chave importante para a compreensão do enigma OVNI. A maioria das aparições com entidades anômalas tem um fundo narrativo (comunicativo e informativo) muito semelhante, independentemente de sua aparência externa (anjos, fadas, duendes ou extraterrestres), pois se tratam de seres esquivos, furtivos, ou em alguns casos muito dialogantes, mas sem oferecer nada que ajude a resolver o mistério. O curioso é que o que varia sempre nas histórias forteanas é a estética do fenômeno, a aparência externa dos embaixadores dessas outras realidades ou mundos distantes. É difícil acreditar que nenhuma aparição desconhecida possua uma memória sólida para transmitir a mesma imagem de um encontro a outro. Tanto os extraterrestres quanto a Virgem Maria não seguem um esquema fixo.

Parece mais que cada testemunha decodifica essa surpreendente realidade cognitiva de maneira diferente, com base em sua própria informação inconsciente, mais como um reflexo do que como algo imposto de fora com uma intenção de camuflagem. Mas também não me refiro a um simples viés cultural, como defende a psicologia, produto de uma reação natural do nosso cérebro diante de um estímulo visual desconhecido, que tenta recompor e entender da melhor maneira possível com o conhecimento já adquirido. Na verdade, as manifestações desse paradigma, antes de tomar forma, parecem reagir de maneira diferente em cada pessoa, mostrando uma aparência muito particular que não será encontrada em outro evento. Nada do que foi observado existe antes de ocorrer o contato entre o fenômeno e a testemunha, e, consequentemente, uma vez terminada a experiência, nada persiste. Caso contrário, encontraríamos aquela tão desejada continuidade que não existe na casuística ufológica. Então, com o que estamos lidando?

----publicidade----

Decodificando o fenômeno com a Teoria da Distorção

A seguir, veremos alguns exemplos de como a teoria da Distorção pode ser usada para decodificar as cenas presenciadas pelas testemunhas. Pablo Villarrubia, pesquisador, jornalista e escritor, localizou uma das testemunhas do famoso caso de Sagrada Família, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Junto com o historiador Claudio Suenaga, ambos puderam reconstruir em 2005 a história de um dos eventos mais estranhos da ufologia mundial: por volta das 19h do dia 28 de agosto de 1963, José Marcos Vidal (sete anos) e os irmãos Fernando (doze) e Ronaldo Eustáquio Gualberto (nove) saíram para o quintal de sua casa, situada no bairro da Sagrada Família, na periferia de Belo Horizonte (Minas Gerais, Brasil), sem prever de forma alguma a aventura que estavam prestes a viver.

No relatório publicado sobre o caso, no desaparecido boletim da Sociedade Brasileira de Estudos dos Discos Voadores (1965-66), em um artigo do veterano e pioneiro ufólogo de Minas Gerais, o psicólogo Húlvio Brant Aleixo entrevistou as três crianças, que viram uma esfera transparente flutuando sobre um abacateiro com pouco mais de três metros e meio de diâmetro, atravessada por algumas linhas retas; além disso, sobressaía, na parte superior, uma espécie de antena em forma de “V”. Mas o mais importante era que a esfera apresentava em seu interior quatro seres de aspecto humanoide, sentados diante de algum aparelho ou painel de controle. Um dos seres, o da esquerda, era gordo e havia outro que as crianças interpretaram como sendo uma mulher, devido ao seu cabelo comprido e loiro. Outro, mais magro, parecia manipular os controles de uma mesa onde havia uma tela. Os homens eram completamente calvos e todos usavam uma espécie de escafandro, e algo semelhante a “couro enrugado” no tórax e nas articulações dos braços e joelhos. Até a cintura, o traje era marrom, enquanto as calças eram brancas e as botas pretas, até os joelhos. O capacete era transparente, e sobre ele se estendia uma “antena” circular.

Reconstituição original dos supostos seres e sua nave a partir de desenhos das testemunhas (cortesia do autor)
Reconstituição original dos supostos seres e sua nave a partir de desenhos das testemunhas no Caso Sagrada Família – MG, Brasil, 1963 (cortesia do autor)

Marcos Vidal contou que ficou muito impressionado quando um dos seres desceu ao solo entre dois feixes luminosos: tinha cerca de dois metros, pele vermelha e com um único olho na testa, de cor escura e sem esclerótica. Os irmãos Ronaldo e Fernando notaram que o humanoide caminhava em direção a eles, balançando-se de um lado para o outro, e rapidamente se esconderam aproveitando a escuridão. Embora Marcos não se lembrasse, o relatório de Aleixo registrava que o gigante fez alguns gestos enquanto falava. Usando o polegar como centro, com o indicador da outra mão fez um círculo no ar em torno do polegar, e outros círculos concêntricos, talvez cinco ou seis vezes. O que poderia significar isso? O ciclope apontou para os três meninos, fazendo um gesto que interpretaram como um convite para “dormir”. Além disso, ele apontou para a Lua, juntando posteriormente as mãos, como se tentasse voar em direção ao nosso satélite natural. Nesse momento, ele se levantou e, ao se virar, as crianças viram uma espécie de caixa ocre pendurada em suas costas. Foi nesse momento de distração da criatura que Fernando pegou um tijolo com a ideia de acertar o capacete dele. Embora não tenha visto, o ciclope se virou de um salto e, na altura de seu peito, acendeu-se um pequeno retângulo luminoso que emitiu um feixe de luz amarela que foi projetado sobre a mão do menino. Este, tomado pelo medo, deixou instantaneamente a pedra cair no chão.

Enquanto isso, a suposta nave continuava suspensa no ar sobre a árvore. Um dos seres que parecia controlar ou olhar para a tela de um “estranho televisor” virou a cabeça para baixo, fazendo um gesto para seu companheiro em terra. Então, as crianças perceberam que ele tinha o mesmo rosto, ou seja, calvo e com um único olho. Nesse momento, José Marcos saiu de seu esconderijo no quintal e perguntou: “Vocês vão voltar algum dia?” Ele pareceu entendê-lo, pois logo as crianças viram como ele balançava a cabeça afirmativamente, respondendo à pergunta. O “ato final” transcorreu da seguinte forma: o ciclope se agachou para arrancar uma planta.

Em seguida, surgiram dois feixes de luz paralelos sob a nave, e o gigante se posicionou entre eles, elevando-se pouco depois lentamente. Todo o seu corpo passou por uma abertura redonda e entrou novamente no veículo. As crianças puderam ver como ele se movia dentro e tomava assento. A nave começou a ascender até alcançar uma altura de entre 12 e 15 metros; só então emitiu uma luz muito forte e se inclinou 45 graus partindo em direção ao nordeste. E assim, desapareceu completamente. É estranho, como observou Aleixo, que os garotos, até a partida do veículo voador, não fugiram. Só então José Marcos Vidal correu para dentro da casa dos amigos, onde se escondeu, muito assustado, debaixo da cama. Por um tempo, os meninos evitavam sair de casa à noite. Assim, o medo se transformou em curiosidade, em esperança de retorno, pelo menos por parte de Vidal. Após o ocorrido, perceberam que haviam ficado algumas marcas no chão, perto do poço que pareciam pegadas de botas, com algumas perfurações triangulares no interior. Elas continham resíduos de cimento e cal de algumas reformas na casa.

Uma representação criada com auxílio de IA de um dos supostos seres extraterrestres do Caso Sagrada Família - MG, Brasil, 1963 (cortesia do autor)
Uma representação criada com auxílio de IA de um dos supostos seres extraterrestres do Caso Sagrada Família – MG, Brasil, 1963 (cortesia do autor)

Os três meninos brasileiros, como precursores dos Goonies, interagem com o fenômeno para dar à experiência um tom mais próximo de um conto infantil do que de um relato de visitantes extraterrestres. É, no mínimo, chocante que alienígenas saibam realizar o gesto (com as mãos) de dormir, que os pais costumam fazer para mandar os filhos para a cama. Este detalhe, por si só, poderia ser uma clara indicação de que os extraterrestres conhecem perfeitamente a gestualidade humana ou de que, de alguma forma, um dos meninos introduz esse conceito na trama. A morfologia peculiar dos ocupantes também parece corresponder a um estereótipo adolescente associado à ficção científica, viagens espaciais, vida em outros planetas, até mesmo filmes de terror, com aquela aparência nada amigável e dentes afiados. E é que, como acontece em outros eventos protagonizados por testemunhas de pouca idade, os ufonautas são descritos como monstruosos ou com feições nada agradáveis — no Japão houve um caso semelhante onde crianças viram um ser horripilante com grandes presas. Além disso, a cena tem muito de infantil, começando de forma dramática e terminando suavemente, com esse jogo de esconde-esconde que culmina com o ciclope astronauta sentado tranquilamente à beira do poço, passando um tempo com os jovens.

O desenvolvimento da ação, incitado pela interação com uma das testemunhas, cumpre à risca os pensamentos e medos inconscientes da criança, que de forma alguma quer que o aterrorizante visitante os pegue, e por isso, como nos sonhos, onde os personagens podem acabar acatando as ordens dos sonhadores, o misterioso intruso passa, de repente, de ser uma terrível ameaça do espaço profundo e desconhecido a um simples portador de uma mensagem inocente.

Os discos voadores são um simples epifenômeno de “algo” ainda mais estranho e desconcertante?

Até agora, os estudiosos consideraram que, por exemplo, as aproximações do fenômeno OVNI às testemunhas (encontros próximos) causavam um bom número de efeitos colaterais (epifenômenos) tais como: zumbidos, transes, isolamento sensorial, fenômenos poltergeist, desenvolvimento de habilidades paranormais, etc. E tudo isso como consequência de nos aproximarmos de uma tecnologia extraterrestre ou, como apontavam outros pesquisadores, resultado da incursão dessas inteligências de outras dimensões. Mas o mais importante era que esses efeitos colaterais não podiam nos distrair da mensagem principal que o fenômeno nos transmitia, ou seja, que os extraterrestres e suas imponentes naves haviam chegado à Terra. Mas, na teoria da Distorção explica-se que tanto os videntes da Virgem quanto as testemunhas de outras aparições forteanas, muito diferentes em aparência (estética) de nossos modernos e reluzentes discos voadores, também registraram esses efeitos “secundários”.

As pessoas que veem fantasmas, por exemplo, também parecem estar em transe ou ter um “dom” especial para perceber esses visitantes espectrais. Como isso é possível? A que se deve isso? Não temos outra escolha a não ser redefinir nossas suposições sobre os OVNIs. E se a estética dessas aparições fosse, na verdade, o aspecto menos notável do fenômeno? E se os pousos de OVNIs, com toda sua grandiosidade, fossem simplesmente os efeitos colaterais do contato com essa realidade ampliada? Uma complexa e laboriosa arquitetura psíquica que ganha vida? É possível que o que percebemos seja apenas o resultado de uma espécie de “interferência sensorial” provocada por nossa psique ao tentar dar forma a esse universo cognitivo que se apresenta diante de nossos olhos? E se as histórias de discos voadores e vários ufonautas fossem apenas “ruído de fundo” que nos impede de aprofundar corretamente neste fenômeno ancestral que adotou várias efígies?

Não podemos ignorar algumas evidências reveladoras. Em quase todos os encontros com entidades desconhecidas ao redor do mundo, são registrados estados alterados de consciência (transes) nas testemunhas, personalização extrema das experiências e ampla mutabilidade do fenômeno. Portanto, essa é uma pista que devemos seguir. Na minha opinião, existem dois aspectos fundamentais para nosso estudo que, até o momento, não foram devidamente considerados e que corroboram que nossa avaliação inicial de alguns fatores envolvidos nessas manifestações foi precipitada:

  1. Se estamos lidando com experiências inventadas ou enganosas, por que as testemunhas não se limitam a “copiar” a estética dos encontros que aparecem em livros ou na imprensa para garantir a credibilidade dos jornalistas e pesquisadores? Por que cada pessoa acrescenta um novo extraterrestre à literatura ufológica?
  2. Por outro lado, se estamos diante de um fenômeno real, diante de seres de outros planetas, por que a estética não é mantida de um evento para outro? O paradigma não tem memória de suas aparições anteriores?

Como vimos, a única uniformidade digna de exame é precisamente o que designamos de forma depreciativa como epifenômenos. Mas como deixamos passar esse detalhe substancial? E se estivermos errados em nossas conjeturas sobre os OVNIs? Por que as testemunhas não coincidem em algo tão simples como a estética das naves e seus ocupantes e, por exemplo, coincidem em relatar com espantosa precisão uma série de “fenômenos colaterais” que são muito menos conhecidos? E se os transes, os zumbidos, o fator Oz, os fenômenos paranormais, o desenvolvimento de habilidades Psi, os sonhos premonitórios fossem, na verdade, o eixo fundamental do fenômeno que estamos estudando? Como é possível, por exemplo, que pessoas que vivenciaram um encontro próximo, com naves e pilotos diferentes, sejam capazes de compartilhar sequelas extrassensoriais idênticas?

Sem dúvida, é difícil aceitar, após anos abraçando a atraente ideia de visitantes extraterrestres, que a imagem transmitida pelo paradigma óvni seja, na verdade, um “simples” epifenômeno sem nenhuma funcionalidade além de confinar a verdadeira mensagem fenomenológica em uma imagem ou arquétipo “sobrenatural”. Embora para nossos sentidos os OVNIs e seus tripulantes pareçam objetos e seres reais, capazes de deixar pegadas e rastros em nosso entorno, muito provavelmente sua essência final escapa à nossa total compreensão.

"Tudo o que o fenômeno expõe é uma hipnótica cenografia reconstruída por nosso inconsciente" (Gerada por IA - cortesia do autor)
“Tudo o que o fenômeno expõe é uma hipnótica cenografia reconstruída por nosso inconsciente” (Gerada por IA – cortesia do autor)

Tudo o que o fenômeno expõe é uma hipnótica cenografia reconstruída por nosso inconsciente, com base em nossas crenças e conhecimentos, para tentar dar forma ou compreensão a essa realidade ampliada, invisível em nosso estado ordinário de consciência. Os discos voadores e os ufonautas vieram substituir crenças antigas em outras criaturas extraordinárias, tecnificando algumas manifestações e superstições sob a cobertura da suposta excelsa ciência extraterrestre. Porque muito antes de nossos alienígenas, outras entidades dispunham das mesmas “capacidades tecnológicas”, embora antigamente fossem chamadas de artes mágicas ou sobrenaturais, como o fato de atravessar paredes, aparecer e desaparecer, emanar luz, provocar imobilidade, voar pelos ares, ou ser imune às armas. Somente na era do micro-ondas e da bomba atômica essas habilidades foram consideradas produto do poder técnico ou mental dos extraterrestres.

O desconhecido fator humano

Os ufólogos nunca esconderam sua estupefação diante do fato de que os testemunhos sobre discos voadores e seus ocupantes mostram uma cópia descarada do que nossa própria astronáutica ou ficção científica haviam oferecido anteriormente. De fato, os relatos das testemunhas estão repletos de descrições que hoje em dia, na era dos smartphones e do Google, nos parecem totalmente vintage e, em muitos casos, obsoletas, ridículas e até risíveis: equipamentos de respiração autônoma, computadores com botões luminosos, relógios, portas, etc. Mas isso não é exclusivo dos Não Identificados; se observarmos com atenção, perceberemos que qualquer outra aparição sobrenatural ou forteana de alta estranheza também esteve de alguma forma envolta em fatores socioculturais, indicando que, seja o que for esse fenômeno esquivo, ele se projeta sobre nossa realidade utilizando, de maneira distorcida, o imaginário humano, ou seja, acessando o inconsciente das testemunhas. Portanto, as diferentes etiquetas que criamos para sistematizar o universo das aparições bizarras devem-se apenas a uma questão de interação com esse fenômeno e nossa maneira inconsciente de adorná-lo com nossas crenças, conhecimentos e mitos.

E embora estejamos diante de um paradigma de ação global, que foi registrado em todo o mundo e que às vezes, logicamente, transmite arquétipos coletivos perfeitamente compreensíveis para a humanidade como um todo, sua última decodificação ocorre a nível privado, sendo o inconsciente individual das testemunhas que se envolve na conformação da experiência, atribuindo-lhe uma estética de acordo com o paradigma sobrenatural reinante (OVNIs, fadas, religioso, criptozoológico, etc.).

Portanto, seria lógico que os investigadores não encontrassem muitas semelhanças estéticas de um encontro para outro, já que o fenômeno não contribui com nada próprio para criar a encenação. Caso contrário, não haveria catalogados centenas, senão milhares, de extraterrestres diferentes em uma tipologia quase infinita. Da mesma forma, se colocarmos essas aparições em uma linha temporal, perceberemos que os OVNIs não passam de um folclore moderno que se alimenta de fontes mais antigas e que seu comportamento básico, a interação com as testemunhas, é indistinguível de outros encontros forteanos.

Provavelmente, os Não Identificados sejam o último reflexo massivo de um fenômeno antiquíssimo que sempre esteve presente na história da humanidade. Os OVNIs, pelo menos na sua faceta de Encontros Imediatos, são o substituto natural das antigas crônicas de anjos, fadas, demônios, duendes, fantasmas e outras criaturas anômalas, aterrorizantes e beatificantes que habitavam os recantos da realidade. A única diferença é que, ao contrário de outros folclores mais regionais, sua repercussão, graças aos meios de comunicação da metade do século XX (imprensa, rádio e televisão), permitiu pela primeira vez na história que a existência dessa realidade cognitiva tivesse um impacto e efeito mais amplo na consciência de milhões de pessoas. Uma verdadeira detonação atômica no núcleo do cosmos mental coletivo que gerou uma onda expansiva que afetou milhares de potenciais testemunhas. Por isso, me pergunto: o que teria acontecido se, em séculos passados o Mothman [nota do editor: “Homem Mariposa”] ou Springheel Jack [n.e.: personagem do folclore inglês da Era Vitoriana] tivessem sido divulgados com os mesmos meios que nossos modernos discos voadores? Teríamos encontrado o espectro saltador no México, Suécia ou Itália?

Isso demonstraria que, por um lado, as aparições que estudamos possuem uma origem externa ao ser humano, não se tratando de um fenômeno puramente psicológico, mas, por outro lado, de uma forma que ainda não compreendemos, necessitam de uma “correia de transmissão”, da expansão de certas crenças sobrenaturais para provavelmente ganhar sua efêmera vida ou permitir que nossa mente possa acessar essa porção de realidade.

Sem a soma de todos esses fatores, o fenômeno não teria os ingredientes necessários para seu desenvolvimento, demonstrando que, por iniciativa própria, as aparições forteanas também precisam de um ambiente apropriado na sociedade para se propagarem. Os OVNIs e outras manifestações vivem em uma zona liminar, fora do alcance de nosso estado ordinário de consciência. E embora esse surpreendente fenômeno cognitivo seja completamente estranho às testemunhas, ele é, no entanto, altamente permeável e interativo à nossa presença, e sua manifestação se adorna e enfeita com nossos estereótipos socioculturais e, sobretudo, sob determinadas crenças sobrenaturais, já que nossa psique reage abruptamente diante da irrupção do desconhecido.

Mas nada do que é percebido obedece a uma realidade empírica como a concebemos. Os OVNIs e a fauna sobrenatural só existem em nosso decodificador mental. A verdadeira essência do fenômeno aguarda do outro lado de nosso rígido muro de realidade erigido por nossos sentidos ordinários, esperando transmitir uma mensagem que nossos filtros socioculturais impedem de expressar de forma clara e contundente… É ai que aparece a Distorção…

Livros de José Antonio Caravaca nos quais o pesquisador desenvolve as implicações da Teoria da Distorção (Cortesia do autor)
Livros de José Antonio Caravaca nos quais o pesquisador desenvolve as implicações da Teoria da Distorção (Cortesia do autor)

COMO FUNCIONA A DISTORÇÃO?

Quando o agente externo sintoniza com a psique da testemunha, ocorre um processo de retroalimentação de informações que é utilizado para moldar e dar vida, a partir do nada, tanto ao óvni quanto aos seus respectivos ocupantes. E para isso, pode-se valer de um vasto material ideográfico, desde a aparência de uma nave espacial de uma série de televisão até uma simples cafeteira que a testemunha usa habitualmente em seus cafés da manhã. Porque a teoria da Distorção propõe que o paradigma não necessariamente coleta informações relacionadas às viagens espaciais ou à ufologia para a representação que será executada diante dos olhos do observador. Nem sequer seria necessário que as testemunhas conhecessem explicitamente algum conteúdo ufológico conhecido através dos meios de comunicação, livros, jornais ou revistas, pois um rumor seria mais que suficiente.

Todo o material fornecido inconscientemente pelas testemunhas é projetado de forma distorcida, em uma arquitetura surrealista semelhante à dos sonhos, que se integra perfeitamente ao ambiente do observador, como se todos os elementos estivessem realmente ali presentes. Apesar dessa distorção visual, uma investigação minuciosa da estética de um incidente óvni poderia localizar sem problemas a origem dessas formas precisas na psique da testemunha, demonstrando que existe uma evidente conexão entre o observado e o observador.

Para facilitar essa tarefa de rastreamento, a busca deve se concentrar nos aspectos mais incomuns das experiências, personificados por detalhes que nunca foram relatados em outro incidente anterior. E isso quer dizer nada mais nada menos que a leitura e interpretação que fazemos sobre os encontros próximos com OVNIs devem levar em conta que quase nada do que é refletido nessas experiências é promovido pelo próprio fenômeno, e sim é o resultado de um processo altamente criativo que ergue um muro como uma miragem, produto da cocriação TESTEMUNHA/FENÔMENO. Estamos diante de um fenômeno imersivo e interativo que reage à presença dos observadores, conformando uma estética que não existe antes de ocorrer o contato. Nada do que é registrado em uma experiência óvni perdura no espaço e no tempo além do decorrer do contato, por isso é quase impossível encontrar conteúdos repetidos. Tudo é aleatório, fortuito e efêmero.

José Antonio Caravaca, arquivo pessoal (Cortesia do autor)
José Antonio Caravaca, arquivo pessoal (Cortesia do autor)

 

José Antonio Caravaca

José Antonio Caravaca é escritor e ufólogo espanhol. É autor de “Distorsión: Ovnis, apariciones marianas, bigfoots, hadas, fantasmas y extrañas criaturas ¿una teoría explicativa?” (2020), “En la mente de los Ovnis” (2022) e “El agente externo” (2024). Artigo traduzido para o Português por Pablo Villarrubia Mauso.

2 comentários sobre “A Teoria da Distorção: na mente do fenômeno OVNI

  1. Parabéns pela matéria. Conheço o trabalho de Caravaca e estou aos poucos lendo o trabalho dele.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

×