Estudo revisado por pares aponta para reviravolta nas múmias de Nazca

Uma reviravolta pode estar a caminho no caso das célebres múmias de Nazca. Pesquisadores vinculados à Universidad Nacional San Luis Gonzaga de Ica, no Peru, divulgaram novo estudo revisado por pares, finalmente trazendo esclarecimentos sobre uma das descobertas arqueológicas mais polêmicas dos últimos anos. A pesquisa analisou alguns dos espécimes humanoides tridáctilos (de três dedos) encontrados em Nazca e, após uma rigorosa análise biométrica e morfoanatômica, confirmou a antiguidade e autenticidade de algumas das peças.
As conclusões do estudo, se corroboradas por novas investigações científicas, podem encerrar anos de debates e controvérsias, num episódio que já se tornou caso de polícia e um processo milionário. Além disso, inaugurarão uma nova fase na tentativa de compreensão das misteriosas figuras de três dedos que foram contemporâneas dos povos pré-hispânicos do Peru.
As análises mais detalhadas referem-se especialmente a um dos exemplares, a denominada “múmia María”. A investigação publicada em maio deste ano na “Revista de Gestão Social e Ambiental” foi conduzida por uma equipe multidisciplinar de cientistas, liderada pelo professor de odontologia e doutor em saúde pública Edgar Martín Hernández Huaripaucar. Junto com ele, os colegas Roger Zúñiga-Avilés, Bladimir Becerra-Canales, Carlos Suarez-Canlla, Daniel Mendoza-Vizarreta e Irvin Zúñiga-Almora também assinaram o artigo intitulado “Caracterização biométrica morfoanatômica e datação da antiguidade de um espécime humanoide tridáctilo: a respeito do caso de Nazca-Peru”.

O artigo detalha os resultados das análises radiológica e tomográfica, além da datação por carbono-14 realizada no espécime. O corpo, dessecado e bem preservado, revelou características biológicas semelhantes às humanas, mas com notáveis diferenças anatômicas.
Utilizando softwares especializados, os pesquisadores realizaram exames tomográficos que revelaram a ausência de cabelo e orelhas, um crânio alongado com volume 30% maior que o humano, protrusão dos maxilares e globos oculares, ausência da quinta vértebra lombar e tridactilia (três dedos) em ambas as mãos e pés. Ademais, o espécime apresentava diferentes focos de artropatias, indicando condições artríticas. Eles descartaram montagens a partir de ossos de outros humanos ou animais.
A datação por carbono-14 situou a antiguidade do espécime entre 240 e 383 d.C., com uma precisão de 1771 ± 30 anos, corroborando a hipótese de que o corpo é realmente antigo e não uma falsificação moderna. Os resultados sugerem que, se futuros estudos confirmarem que se trata de uma nova espécie humanoide, o impacto na biologia e na ciência será imenso, com implicações significativas para a compreensão da história e da diversidade biológica na Terra. A descoberta pode reescrever partes da história humana e oferecer novas perspectivas sobre a evolução e as interações das espécies humanas com o ambiente.
Além disso, as novas constatações podem, eventualmente, apontar para a confirmação de hipóteses mais exóticas, como a convivência dos povos pré-hispânicos com espécimes de origem não humana na antiguidade.
Este estudo marca um ponto de virada na pesquisa sobre as múmias de Nazca. Ao fornecer evidências científicas sólidas sobre sua antiguidade e características morfoanatômicas, os pesquisadores pavimentam o caminho para novas investigações e debates sobre a existência de outras formas de vida inteligentes que possam ter coexistido com os seres humanos no passado.
Ligas de implantes seriam incomuns para povos pré-hispânicos
Paralelamente ao estudo anatômico das múmias tridáctilas, foi realizado um exame minucioso dos materiais metálicos encontrados nos corpos mumificados, comumente referidos como “implantes”. O relatório técnico “Metales y minerales desconocidos en momias prehispánicas de la región de Ica” (Metais e minerais desconhecidos em múmias pré-hispânicas da região de Ica), elaborado por uma equipe multidisciplinar, lança nova luz sobre a composição e origem desses metais, apresentando uma análise científica rigorosa que complementa as descobertas iniciais sobre as múmias.
O estudo foi concluído no ano passado por pesquisadores da Facultad de Ingeniería Geológica, Minera y Metalúrgica (Faculdade de Engenharia Geológica, de Minas e Metalúrgica), em Lima, assinado pelos engenheiros Rosales Huamani, Landauro Abanto, Valverde Espinoza e a Dra. Sabine Cremer, entre outros, mas foi publicado apenas em fevereiro desse ano no repositório ResearchGate pelo pesquisador Joakim Jensen, do departamento de geografia e geologia da Universidade de Copenhagen, cujo nome não é creditado no relatório.
A pesquisa envolveu análises químicas e mineralógicas. Foram investigados os materiais encontrados nos implantes, que apresentaram uma composição surpreendente e até então desconhecida para a época em que as múmias foram datadas. A presença de metais raros e a combinação de elementos indicam um conhecimento avançado de metalurgia por parte dos responsáveis pela sua confecção, embora pré-hispânicas.
Os resultados mostraram que os implantes contêm ligas de cobre e prata, além de elementos como cobalto e níquel, que não são comuns em artefatos pré-hispânicos conhecidos. A análise espectroscópica revelou a presença de minerais raros e a utilização de técnicas sofisticadas de fundição e metalurgia, que desafiam as percepções atuais sobre as capacidades tecnológicas das civilizações antigas da região.
Segundo o relatório, “a composição dos metais sugere um grau de conhecimento técnico que não foi documentado em outras culturas contemporâneas. A combinação de cobre com pequenas quantidades de cobalto e níquel indica um propósito específico para os implantes, possivelmente relacionado a propriedades antimicrobianas ou rituais”.
Evidências de técnicas avançadas de manufatura
Além da composição química, a análise estrutural dos implantes revelou técnicas avançadas de manufatura. Microscopia eletrônica de varredura (MEV) e análise de difração de raios X (DRX) indicaram processos de fusão controlada e tratamento térmico. “As evidências sugerem que os artesãos da época possuíam conhecimento detalhado sobre as propriedades dos metais e sabiam como manipulá-los para obter os resultados desejados”, afirma o estudo.

Um dos implantes, encontrado na múmia denominada “Luisa”, continha uma liga metálica complexa com vestígios de platina. Este achado é particularmente intrigante, pois a platina é um metal de difícil manipulação, requerendo temperaturas extremamente altas para fusão, o que levanta questões sobre a tecnologia disponível para essas culturas antigas.
Aqui, no entanto, há uma ressalva para a qual o relatório não dá maior destaque. Os implantes só estão presentes nos exemplares menores e, embora o documento se dedique meramente a descrever suas características, não sendo a anatomia uma especialidade dos autores, análises anatômicas alternativas anteriores amplamente divulgadas na Internet ainda contestam a origem natural de alguns destes pequenos “espécimes”, apontando a possibilidade de falsificações. Apenas análises futuras de cientistas especializados poderão resolver o dilema.
Mesmo assim, os implantes metálicos também foram contextualizados dentro das práticas culturais e rituais da época. Os pesquisadores sugerem que esses objetos podem ter tido significados simbólicos ou terapêuticos, associados a práticas médicas ou espirituais. “A presença de metais raros e a complexidade dos implantes podem indicar uma função ritualística, possivelmente como talismãs ou objetos de poder”, sugere o relatório.
Ademais, a localização dos implantes nos corpos das múmias sugere uma aplicação intencional e precisa, com alguns situados em áreas específicas como o tórax e os braços, possivelmente relacionados a práticas de cura ou proteção.
Conduta inicial provavelmente atrasou a pesquisa séria
Desde a descoberta das múmias de Nazca, a comunidade científica tem enfrentado desafios significativos para separar fatos de ficção. Nos últimos dez anos, a divulgação inicial desses achados, inicialmente promovida pela Gaia TV e supervisionada pelo ufólogo Jaime Maussan, misturou múmias reais com falsificações sem o devido rigor científico. Essa abordagem gerou uma longa controvérsia que provavelmente atrasou significativamente a pesquisa séria sobre o assunto.
A falta de critérios rigorosos foi documentada em várias reportagens ao longo dos anos. No Portal Vigília, a matéria “Quem Montou as Múmias de Nazca? Extraterrestres?“, destacou como a ausência de uma metodologia científica sólida contribuiu para a confusão. A reportagem revelou que, na ânsia de divulgar descobertas extraordinárias, algumas das múmias apresentadas eram claramente montagens, compostas por partes de diferentes corpos humanos e animais.
Quando peritos forenses do Peru analisaram algumas das espécimes, também concluíram que as que estavam em seu poder eram, de fato, falsificações. A análise revelou que algumas múmias foram alteradas com materiais modernos, reforçando a suspeita de fraude. Esse veredicto criou uma nuvem de desconfiança que afetou todas as descobertas subsequentes associadas ao episódio.

Outra reportagem do Portal Vigília, intitulada “Múmias de Nazca Voltam ao Centro das Atenções com Envolvimento de Cientista Americano e Fiscalização no Peru“, relatou o retorno do interesse científico com o envolvimento de pesquisadores renomados ao mesmo tempo em que o episódio passou a receber uma fiscalização rigorosa das autoridades peruanas. Cientistas americanos e peruanos uniram forças para conduzir novas análises, desta vez com rigor científico adequado, mas os textos científicos e revisados por pares decorrentes dessa união ainda estão por sair.
Depois disso, a matéria “Alegações Extraordinárias vs. Rigor Científico: Ainda o Caso das Múmias de Nazca” enfatizou a importância de distinguir alegações extraordinárias de fatos científicos comprovados. A opinião de Garry Nolan, geneticista renomado que tem se tornado uma das vozes em defesa da Ufologia na Ciência, evidenciou que embora as descobertas sensacionalistas possam atrair a atenção do público, elas devem ser respaldadas por evidências rigorosas e revisadas por pares para serem levadas a sério pela comunidade científica. Essa abordagem é crucial para evitar o sensacionalismo e garantir que apenas descobertas genuínas sejam reconhecidas.
Com a implementação de métodos rigorosos e estudos revisados por pares, a comunidade científica começa a desvendar a verdade por trás das múmias de Nazca. As análises recentes, que utilizam tecnologias avançadas e métodos bem descritos, poderão proporcionar uma visão mais precisa e detalhada desses artefatos. E, por enquanto, estas técnicas não só validam a antiguidade de algumas múmias, mas também estão ajudando a identificar características anatômicas que são consistentes com seres antigos potencialmente desconhecidos, enquanto auxiliam a diferenciá-los de peças com indícios claros de manipulação moderna.
As lições aprendidas com a controvérsia das múmias de Nazca ressaltam a necessidade de uma abordagem meticulosa e baseada em evidências para qualquer descoberta arqueológica. Somente assim será possível obter respostas claras e confiáveis, contribuindo para um entendimento mais profundo de nossas origens e da diversidade biológica que existiu no passado.
A correção do curso das pesquisas sobre as múmias de Nazca pode servir como um modelo para futuras investigações de cunho ufológico, assegurando que a ciência prevaleça sobre o sensacionalismo e que a verdade seja sempre a prioridade máxima.
Acesse os artigos científicos:
Caracterização biométrica morfoanatômica e datação da antiguidade de um espécime humanoide tridáctilo: a respeito do caso de Nazca-Peru – neste link
Metais e minerais desconhecidos em múmias pré-hispânicas da região de Ica – neste link