K2-18b e o futuro da busca por vida: novos horizontes na astrobiologia observacional

K2-18b e o futuro da busca por vida: novos horizontes na astrobiologia observacional
Exoplaneta K2-18b pode conter a primeira evidência de vida fora do Sistema Solar - Impressão artística por A. Stelter (Wikimedia)

Desde abril de 2025, quando a equipe liderada por Nikku-Madhusudhan anunciou a detecção de sinais de DMS e DMDS na atmosfera de K2-18b – compostos associados à atividade biológica na Terra – uma intensa revisão científica alterou o cenário original. Um novo estudo conduzido pela NASA, publicado como preprint em 16 de julho de 2025, reuniu quatro novas observações do JWST (Telescópio Espacial James Webb) em infravermelho próximo, além de dados anteriores da Hubble e do próprio JWST.

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O estudo mais recente, liderado por Renyu Hu no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA e envolvendo Madhusudhan e outras equipes independentes em um esforço colaborativo, fez uso de uma análise bayesiana e concluiu que:

“Nossa análise mostrou que processos atmosféricos em K2-18b que não envolvem vida — particularmente a fotoquímica […] — também podem gerar níveis detectáveis de DMS e outras moléculas organossulfuradas. Isso significa que o DMS, por si só, pode não ser um sinal definitivo de vida nesse planeta.”

Ou seja, a presença de DMS já pode ser explicada por processos abióticos em atmosferas ricas em hidrogênio. Mesmo assim, segundo Madhusudhan:

“Quanto à confiabilidade do DMS como biomarcador, tudo depende da extensão atmosférica… Por outro lado, se for uma atmosfera tênue com um oceano de água líquida por baixo — isto é, um mundo hycean — então, atualmente, a biologia ainda é a única explicação conhecida.”

Ainda que os sinais de DMS não tenham desaparecido completamente — permanecendo em cerca de 2,7 Sigma, abaixo do limite de 5 Sigma exigido para uma descoberta robusta — agora o consenso aponta que há evidências robustas de atmosfera rica em água, metano e dióxido de carbono. Esse perfil atmosférico reforça a ideia de um interior rico em água ou até um oceano sob uma atmosfera hidrogênica, mesmo sem sinais fortes de vida.

Hycean: os planetas aquáticos recém-descobertos que podem abrigar vida alienígena

Enquanto isso, o estudo original da Universidade de Cambridge, publicado em abril, já alertava que:

  • A significância estatística dos indícios era de cerca de 3 Sigma — “evidência moderada”, mas não conclusiva;
  • Ruídos instrumentais e atividade estelar poderiam levar a falsos sinais;
  • Era necessária uma nova campanha de observação para confirmar ou refutar esses resultados.

Posteriormente, outra análise independente usando pipelines distintos e modelos atmosféricos mais abrangentes concluiu que, de fato, não há suporte estatístico para DMS ou DMDS em K2-18b, destacando que outras moléculas semelhantes podem gerar assinaturas parecidas, e que oscilações entre diferentes reduções de dados podem alterar os resultados. Em suas palavras, o estudo relata que há “evidência insuficiente para a presença de DMS e/ou DMDS” no espectro do exoplaneta.

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O caso K2-18b ilustra o caráter iterativo e rigoroso do método científico: um resultado extraordinário — possível bioassinatura — é acompanhado de debate, reanálise por pares, hesitação cautelosa e avanços técnicos. Em termos de astrobiologia observacional, porém, esse debate é tido como um marco histórico: a primeira vez que uma comunidade científica debate publicamente uma possível bioassinatura fora do Sistema Solar.

Avanços recentes além do K2-18b

  • Sistemas HR-8799 e 51-Eridani b: em março de 2025, o JWST capturou imagens diretas desses planetas gigantes, identificando dióxido de carbono e monóxido de carbono em seus espectros. Como disse William-Balmer, da Johns Hopkins:

    “Ao identificar essas fortes características de dióxido de carbono, mostramos que há uma fração considerável de elementos mais pesados… nas atmosferas desses planetas. Isso reforça a viabilidade do método de imageamento direto com espectroscopia, abrindo caminho para estudos de exoplanetas menos massivos.”

  • TWA-7b: em julho de 2025, o Arquivo de Exoplanetas da NASA listou um candidato mais leve jamais captado por imagem direta com JWST, chamado TWA-7b. Se confirmado, será um marco histórico.
  • Kepler 725c: anunciado em junho de 2025 pela técnica de variação no tempo de trânsito (TTV), esse super-Terra com cerca de 10-M orbita em parte dentro da zona habitável de uma estrela tipo Sol, a cada 207 dias.
  • L98‑59f: também confirmado no mês de junho, esse planeta rochoso está dentro da zona habitável de um sistema com pelo menos cinco mundos, e será alvo de observações com o JWST.

    “Seu fluxo estelar é semelhante ao da Terra”, dizem os pesquisadores.

  •  Campos magnéticos em exoplanetas rochosos: embora não ligados à habitabilidade direta, radiotelescópios detectaram possíveis indícios de campo magnético em YZ-Cetib, o que pode ser um marcador indireto da capacidade do planeta preservar sua atmosfera.

O que isso significa para a busca por bioassinaturas?

Antes de tudo, é preciso reconhecer que o método científico passou por um teste de fogo: o debate em torno de K2-18b transformou uma observação emocionante em uma narrativa muito mais cautelosa, exigindo repetidas reanálises, desacordo entre modelos e refinamento estatístico.

  1. O cenário de K2-18b evoluiu de um potencial biossinal promissor para uma confirmação ainda incerta, sem evidência definitiva de vida, mas com forte caracterização atmosférica.
  2. Tecnologias de imagem direta e espectroscopia com JWST estão entrando em uma nova fase, mostrando capacidade de estudar atmosferas e composição química de exoplanetas.
  3. Novos candidatos como Kepler 725-c, L98-59f e possivelmente TWA-7b amplificam as possibilidades de buscar mundos muito além de super-Terras e mini-Netunos.
  4. O Observatório Mundos Habitáveis, previsto para a década de 2040, surge como o próximo grande salto, com projeto otimizado para identificar bioassinaturas em planetas do tamanho da Terra.

O Observatório Mundos Habitáveis (ou Habitable Worlds Observatory, em inglês) é uma das potenciais novas estrelas dessa busca. Trata-se de um telescópio espacial de última geração (com espelho entre 6 e 8 metros) projetado para buscar e fotografar exoplanetas do tamanho da Terra em zonas habitáveis, usando coronógrafos ou starshades para bloquear a luz estelar e obter espectros com resolução suficiente para detectar gases como oxigênio, metano e outras possíveis bioassinaturas. Seu objetivo é identificar e caracterizar pelo menos 25 mundos potencialmente habitáveis, explorando comprimentos de onda infravermelhos, ópticos e ultravioleta.

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Observatório Vera Rubin - Crédito: RubinObs-NOIRLab-SLAC-DOE-NSF-AURA-W. O'Mullane
Observatório Vera Rubin – Crédito: RubinObs-NOIRLab-SLAC-DOE-NSF-AURA-W. O’Mullane

Além disso, espera-se que seja possível estabelecer novas sinergias entre outros modernos equipamentos em operação. A conjunção entre os indicadores químicos do JWST (como em K2-18b) e a enorme capacidade estatística de mapeamento do Observatório Vera C. Rubin, recém inaugurado com seus primeiros registros visuais em junho de 2025 permitindo rastrear milhões de objetos e potenciais exoplanetas por meio do Legacy Survey of Space and Time, pode criar um fluxo de estudos inédito: Rubin identifica candidatos com precisão orbital e luminosidade, e o JWST — seguido hipoteticamente pelo Observatório Mundos Habitáveis — pode seguir estes alvos para estudo atmosférico intenso, espectroscopia direta e, quem sabe, detecção confiável de bioassinaturas inequívocas.

Em resumo, a busca por vida agora baseia-se em evidências múltiplas e convergentes — com ênfase no rigor estatístico e na caracterização de ambientes planetários integrados, não apenas em sinais químicos isolados. O debate em torno de K2-18b, ainda que inconclusivo sobre vida, já se tornou um caso emblemático do progresso e dos limites da astrobiologia observacional no século XXI.

Redação Vigília

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