Luzes de Barras (PI): vídeo dos ufólogos era Starlink, mas mistério segue aberto

Luzes de Barras (PI): vídeo dos ufólogos era Starlink, mas mistério segue aberto
Foto obtida por morador no Piauí, em grande ampliação, mostraria luz noturna em formato bipartido (Reprodução)

Dias depois de a imprensa local e o Portal Vigília terem noticiado os relatos de moradores de Barras, no interior do Piauí, que afirmam estar sendo perseguidos por luzes e objetos estranhos durante a noite, o caso ganhou um novo e relevante desdobramento. A matéria original expôs o clima de apreensão na zona rural do município, com testemunhos descrevendo luzes que não apenas cruzam o céu, mas aparentam acompanhar pessoas e veículos, em um comportamento que, segundo os moradores, está causando medo e alterando a rotina da população.

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Diante da repercussão e da necessidade de aprofundar a apuração em campo, dois pesquisadores ligados à ufologia piauiense se deslocaram até Barras para ouvir testemunhas, coletar mais dados e realizar uma vigília noturna na localidade. São eles o pesquisador Flavio Tobler, professor universitário, acompanhado por Luiz Antônio, também professor universitário. Ambos integram o grupo União de Pesquisas Ufológicas do Piauí (UPUPI) e decidiram observar diretamente o céu nas condições descritas pela população, buscando obter registros objetivos que pudessem contribuir para a compreensão do fenômeno.

Durante essa vigília, os pesquisadores captaram um vídeo que parecia mostrar duas luzes se deslocando no céu noturno. O registro foi feito, inclusive, com o auxílio de uma câmera sensível ao infravermelho, o que conferiu ao material um caráter ainda mais intrigante. Rapidamente, as imagens passaram a circular como uma possível evidência das mesmas luzes relatadas pelos moradores, reacendendo o debate sobre a natureza dos episódios que vinham sendo associados a objetos voadores não identificados.

Em entrevista ao Canal Rony Vernet (acima), Tobler e o próprio criador do canal consideraram as luzes anômalas

“Me parece que elas [as luzes] estavam sobrevoando uma única área lá porque isso se repetia 40, 42 segundos novamente elas apareciam novamente o que dá a ideia de que elas faziam um giro num local que levava esse tempo esse percurso”, disse o pesquisador Tobler ao Canal Rony Vernet.

 

Como já destacado pelo Portal Vigília em outros episódios, registros visuais desse tipo exigem análise técnica criteriosa antes de qualquer interpretação conclusiva. Foi nesse ponto que entrou o trabalho do pesquisador e analista de imagens Jorge Uesu Jr., que já atuou em vários outros casos analisados em parceria com o portal. Coube a ele realizar uma reconstrução detalhada do cenário celeste correspondente ao momento exato da gravação feita pelos integrantes da União de Pesquisas Ufológicas do Piauí.

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Frame do registro obtido pelos pesquisadores em Barras PI durante vigilia de observacao Reproducao TVMeioNorte
Frame do registro obtido pelos pesquisadores em Barras, PI, durante vigília de observação (Reprodução-TVMeioNorte)

Para isso, Uesu Jr. utilizou o software Sitrec, uma ferramenta desenvolvida pelos mantenedores do fórum cético Metabunk, especializada na reprodução do céu a partir de bases de dados astronômicas completas. O programa permite configurar com precisão a localização geográfica, data, horário, direção da câmera e características de visibilidade noturna, além de simular a chamada área de “flare”, região onde satélites podem refletir a luz do Sol mesmo quando este já se encontra abaixo do horizonte para o observador em solo.

Um detalhe fundamental para a análise foi a confirmação, feita por Flávio Tobler, em troca de mensagens com o Portal Vigília via Facebook, de que a câmera estava apontada para o Oeste no momento da filmagem. A partir dessa informação, Jorge Uesu Jr. conseguiu posicionar virtualmente a câmera no Sitrec de forma extremamente fiel às condições reais da vigília, reproduzindo o céu noturno de Barras com alto grau de precisão.

Acima: estabilização do vídeo e sobreposição da simulação de satélites Starlink visíveis na noite da vigília realizada pelos Ufólogos em Barras, no Piauí.

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A simulação trouxe um resultado claro. Ao sobrepor os dados gerados pelo software às imagens do vídeo original, o analista identificou que as duas luzes registradas correspondiam exatamente à passagem de dois satélites da constelação Starlink. Os objetos foram catalogados como SL-30500 e SL-30866, ambos visíveis naquele horário e naquela faixa do céu, atravessando precisamente a região de flare prevista pela simulação astronômica.

A sobreposição construída por Jorge Uesu Jr. demonstrou correspondência não apenas temporal, mas também de trajetória e posicionamento relativo entre os pontos luminosos do vídeo e os satélites simulados. Na reconstrução em vídeo, os Starlinks aparecem alinhados e sincronizados com as luzes captadas na gravação original, afastando a hipótese de que aquele registro específico representasse OVNIs ou UAPs de origem desconhecida.

Além dos satélites registrados no vídeo, a simulação mostra outros se deslocando na área e eventualmente ficando visíveis por segundos fora do enquadramento da câmera.

Esse esclarecimento resolve, de forma técnica e objetiva, a dúvida em relação ao vídeo produzido durante a vigília realizada pelos pesquisadores da União de Pesquisas Ufológicas do Piauí. O registro, embora chamativo à primeira vista, revelou-se compatível com um fenômeno artificial cada vez mais comum: a passagem de satélites Starlink refletindo a luz solar em condições geométricas favoráveis.

Relatos dos moradores são mais complexos

É essencial, no entanto, fazer uma distinção clara. A identificação dos satélites SL-30500 e SL-30866 explica o registro em vídeo feito pelos ufólogos, mas não coloca um ponto final nos episódios que vêm preocupando a população de Barras. Os relatos dos moradores descrevem situações muito diferentes, envolvendo sensação de proximidade, acompanhamento e até perseguição, características que não se encaixam em um simples avistamento de satélites a grande altitude.

Em entrevista, Dona Francisca, uma das testemunhas oculares da Luz (reprodução Portal A Grande Barras - Facebook)
Em entrevista, Dona Francisca, uma das testemunhas oculares da Luz (reprodução Portal A Grande Barras – Facebook)

Nesse contexto mais amplo, o caso de Barras dialoga com um problema que hoje afeta a Ufologia em escala mundial. A área enfrenta uma espécie de epidemia de duas “doenças” simultâneas. A primeira é a invasão de vídeos criados com inteligência artificial, publicados em redes sociais e perfis pessoais sem qualquer filtro ou verificação, contaminando o debate com material fabricado que muitas vezes se passa por registro autêntico. A segunda é a proliferação de registros de flares de satélites Starlink. Inicialmente vistos como um problema restrito à observação astronômica profissional, esses flares têm se mostrado ainda mais impactantes para a Ufologia, pois a maioria das pessoas não está preparada — e muitas vezes reluta em acreditar — que pequenas luzes, em grande quantidade e com movimentos aparentemente incomuns, possam ser causadas por objetos tão distantes na órbita terrestre.

Para quem está habituado à observação astronômica e ao uso de softwares de rastreamento de satélites, esse tipo de identificação pode parecer trivial. Nestes casos a mera visualização é suficiente para determinar os culpados. Eles seguem um padrão inequívoco: uma ou mais luzes surgem inesperadamente numa região específica do céu, normalmente a oeste (mas também a noroeste e sudoeste) da testemunha, traçando trajetórias em linha reta. Ficam mais fortes e depois esmaecem até desaparecer. Tudo isso leva de 3 a 10 segundos. Por vezes parecem voar em formação, próximos, em conjunto ou até se sobrepor, um efeito enganoso causado pela observação em perspectiva.

No entanto, nem todas as testemunhas, e por vezes nem os próprios pesquisadores da Ufologia, têm acesso a essas ferramentas ou ao conhecimento técnico necessário para elucidar registros desse tipo. O resultado é um cenário cada vez mais confuso, em que fenômenos artificiais se misturam a relatos legítimos ainda não explicados.

A reportagem procurou o pesquisador Flávio Tobler através da rede social Facebook para comentar a análise. Perguntado se acredita que os Starlinks podem atrapalhar a pesquisa ou contribuir para “inflar” o número de relatos no Brasil (e no mundo), ele respondeu:

“Acredito que as duas coisas. Mas cabe ao investigador filtrar as informações. Afinal o fenômeno por aqui tem mais de 40 anos”.

O caso de Barras, portanto, segue aberto sob outra perspectiva. A análise técnica esclareceu o registro em vídeo produzido durante a vigília dos pesquisadores, mas os episódios relatados pela população continuam a exigir atenção, escuta cuidadosa e novas investigações. Para o Portal Vigília, esse episódio reforça a importância de separar evidências objetivas de interpretações precipitadas, mantendo o equilíbrio entre rigor analítico e respeito às testemunhas que seguem inquietas com o que dizem estar vendo no céu do interior do Piauí.

Sobre o Sitrec: o software de simulação por trás da análise

O Sitrec (abreviação de Situation Recreation) é um software de código aberto desenvolvido e mantido pelos mesmos idealizadores do fórum cético Metabunk, liderado por Mick West e com contribuições de colaboradores como Flarkey. A ferramenta foi criada com o objetivo de recriar e analisar situações observacionais complexas, permitindo que usuários insiram dados de localização, horário, direção e parâmetros de câmeras para simular o céu real em um determinado momento e perspectiva — inclusive a presença de satélites em órbita e suas possíveis reflexões de luz, conhecidas como “flares”.

Tela de configuracao do software Sitrec
Tela de configuração do software Sitrec no caso do vídeo dos pesquisadores em Barras (PI)

Sitrec é totalmente open source, ou seja, seu código-fonte está disponível publicamente no GitHub, permitindo que qualquer pessoa estude como ele funciona, o instale em um servidor próprio ou até contribua para o seu desenvolvimento. Essa característica fortalece sua transparência e utilidade em investigações sérias, pois pesquisadores podem verificar diretamente os algoritmos e modelos usados para simular trajetórias de satélites e objetos celestes.

Na prática, o Sitrec tem se mostrado uma ferramenta valiosa para criar reconstruções precisas do céu noturno, sobrepondo os dados simulados às imagens reais captadas por testemunhas ou pesquisadores. No caso da vigília em Barras, essa simulação foi essencial para identificar que as duas luzes no vídeo correspondiam aos satélites Starlink denominados SL-30500 e SL-30866, conforme reproduzido por Jorge Uesu Jr. com o auxílio do software.

Essa capacidade técnica de recriar “o que estava no céu” no momento de um registro é especialmente útil para separar registros que têm explicação astronômica ou artificial daqueles que realmente carecem de explicação atualmente — um passo crítico para qualquer investigação séria de fenômenos aéreos não identificados.

Jeferson Martinho

Jornalista, o autor é empresário de comunicação, dono de agência de marketing digital e assessoria de imprensa, publisher de um portal de notícias regionais na Grande São Paulo, fundador e editor do Portal Vigília. Apaixonado por Ufologia de um ponto de vista científico, é autor do livro "Nem Todo OVNI é Extraterrestre - Um guia para entusiastas da ufologia que não querem ser iludidos", disponível na Amazon.

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