Pesquisa revela que lua Encélado tem as moléculas chave para vida extraterrestre

Pesquisa revela que lua Encélado tem as moléculas chave para vida extraterrestre
Encélado é o sexto maior satélite de Saturno - Imagem de flflflflfl por Pixabay

Novas análises de dados coletados pela sonda Cassini, que orbitou Saturno e suas luas entre 2004 e 2017, revelaram que Encélado, a sexta maior lua do planeta, possui moléculas orgânicas complexas, um elemento químico vital, e fontes de energia adicionais em seu vasto oceano subterrâneo. Essas descobertas, publicadas na revista científica de prestígio Nature Astronomy, solidificam o estatuto de Encélado como o principal candidato conhecido no sistema solar para abrigar vida extraterrestre.

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A reavaliação minuciosa dos dados antigos, obtidos principalmente pelo Analisador de Poeira Cósmica (CDA) e pelo Espectrômetro de Íons e Massa Neutra (INMS) da Cassini, permitiu a identificação de estruturas químicas sutis e a confirmação de que o satélite reúne todos os ingredientes essenciais para a formação e sustentação da vida, incluindo água líquida e os seis elementos fundamentais (carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, fósforo e enxofre, conhecidos como CHNOPS).

Os pesquisadores aplicaram novos métodos de resolução e algoritmos a informações que haviam sido armazenadas pela missão Cassini, que passou 13 anos coletando dados. O objetivo era desvendar a composição química exata das plumas de vapor d’água e gelo expelidas constantemente por fissuras no polo sul de Encélado. O que foi encontrado inclui o cianeto de hidrogênio (HCN), uma molécula versátil considerada o ponto de partida crucial para a maioria das teorias sobre a origem da vida, e o fósforo na forma de ortofosfato, um componente vital para a criação de DNA, RNA e ATP.

As evidências foram coletadas em sobrevoos da Cassini, inclusive em grãos de gelo que haviam sido ejetados apenas minutos antes da amostragem em 2008, garantindo que fossem uma amostra fiel do que ocorre no interior da lua. Tais achados indicam que reações químicas complexas e diversas estão em andamento no subsolo gelado, aumentando significativamente a probabilidade de que Encélado seja um ambiente habitável.

Redescobrindo os blocos da vida em Encélado

A análise renovada dos dados da Cassini permitiu o que a comunidade científica chama de “redescoberta” (rediscovery), trazendo à luz compostos orgânicos que haviam permanecido ocultos. Um dos achados mais importantes foi o cianeto de hidrogênio (HCN), uma molécula essencial para a astrobiologia, embora seja popularmente conhecido como um gás venenoso. Cientistas já tinham detectado dióxido de carbono, metano e hidrogênio em Encélado em 2017, mas o HCN só apareceu com esta nova análise.

Encelado (Ilustração: NASA/JPL-Caltech/S_Hemi)
Encelado (Ilustração: NASA/JPL-Caltech/S_Hemi)

O pesquisador Jonah Peter, primeiro autor de um dos artigos e que completou grande parte da pesquisa como componente de sua dissertação de doutorado na Universidade de Harvard enquanto trabalhava no JPL da NASA, justificou o entusiasmo da comunidade: “A descoberta do cianeto de hidrogênio foi particularmente emocionante porque é o ponto de partida para a maioria das teorias sobre a origem da vida”. A vida como é conhecida exige blocos fundamentais, como os aminoácidos. O cianeto de hidrogênio é uma das moléculas mais importantes e versáteis necessárias para formar aminoácidos, sendo tido pelos pesquisadores como o “canivete suíço dos precursores dos aminoácidos”.

Além do HCN, a nova análise identificou diversos outros compostos inéditos nas plumas, incluindo ésteres, alcenos, éteres e compostos ricos em nitrogênio e oxigênio. A presença dessas moléculas não apenas demonstra que reações químicas complexas estão em andamento, mas também assemelha-se a cadeias químicas conhecidas na Terra que são capazes de originar precursores de aminoácidos. Nozair Khawaja, cientista planetário da Universidade Livre de Berlim e autor principal do estudo sobre as moléculas orgânicas complexas, enfatizou a importância dessas descobertas. Ele disse ao jornal The Guardian que “Quando há complexidade, isso significa que o potencial habitável de Encélado está aumentando neste momento”.

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O valor singular desta descoberta reside no fato de que os pesquisadores puderam analisar fragmentos que haviam sido ejetados momentos antes de serem capturados pela Cassini. Enquanto os grãos de gelo que compõem o anel E de Saturno podem ter centenas de anos e ser alterados pela radiação espacial, a análise dos fragmentos recém-ejetados oferece uma amostra muito mais fiel daquilo que ocorre no oceano escondido sob a crosta gelada de Encélado. Isso prova, como afirmou Frank Postberg, coautor de um dos estudos, que “as moléculas orgânicas complexas que a Cassini detectou no anel E de Saturno não são apenas um produto de longa exposição ao espaço, mas estão prontamente disponíveis no oceano de Encélado”.

Fósforo, o ingrediente raro e vital

Em um desenvolvimento relacionado, a detecção de fósforo na lua de Saturno atendeu a um dos requisitos mais rigorosos para estabelecer a habitabilidade de um corpo celeste. O fósforo, na forma de fosfato, é considerado o mais raro dos seis elementos (CHNOPS) necessários para a formação da vida. Os pesquisadores usaram dados da Cassini obtidos em 2008, quando a sonda atravessou os gêiseres de Encélado, para identificar o elemento em grãos de gelo salgados.

O Dr. Frank Postberg, professor de ciências planetárias na Freie Universität Berlin e principal autor do estudo que detalhou o achado do fósforo, ressaltou a importância fundamental do elemento em um comunicado: “O fósforo na forma de fosfatos é vital para toda a vida na Terra”. Ele explicou que o fósforo é “essencial para a criação de DNA e RNA, membranas celulares e ATP (o portador universal de energia nas células), por exemplo. A vida como a conhecemos simplesmente não existiria sem fosfatos”.

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Pela primeira vez, o fósforo foi descoberto em um oceano além da Terra. Modelos geoquímicos anteriores divergiam sobre se o oceano de Encélado conteria quantidades significativas de fosfatos. No entanto, as medições da Cassini, que revelaram altas concentrações de fosfato de sódio, não deixaram dúvidas. O Dr. Frank Postberg afirmou: “Essas medições da Cassini não deixam dúvidas de que quantidades substanciais dessa substância essencial estão presentes na água do oceano” (via CNN).

Os experimentos de laboratório conduzidos pelos pesquisadores para modelar o oceano salgado de Encélado demonstraram que as concentrações de fosfato são significativamente altas, pelo menos 100 vezes, e possivelmente até 1.000 vezes, maiores do que nos oceanos terrestres. Esta concentração é explicada pelo fato de que os “oceanos de soda”, ricos em carbonatos e dióxido de carbono como o de Encélado, podem dissolver grandes quantidades de fosfatos que, de outra forma, ficariam presos em minerais rochosos.

O coautor do estudo, Dr. Fabian Klenner, pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Washington, destacou que, ao identificar essas altas concentrações de fosfato prontamente disponível, os cientistas satisfazem “o que geralmente é considerado um dos requisitos mais rígidos para estabelecer se os corpos celestes são habitáveis”.

A energia química e o potencial de habitabilidade

Além dos compostos orgânicos e dos elementos fundamentais, a reanálise dos dados de Encélado trouxe uma segunda grande descoberta que impulsiona o potencial biológico da lua: a existência de fontes químicas de energia adicionais. Anteriormente, a interface entre o oceano de Encélado e o núcleo da lua já era conhecida por abrigar fumarolas, que aqui na Terra indicam o local onde a vida provavelmente começou. O novo trabalho, no entanto, revelou que há mais energia disponível do que se pensava.

Os pesquisadores encontraram fontes químicas de energia muito mais poderosas e diversas do que aquelas que apenas produzem metano. Eles identificaram uma série de compostos orgânicos que foram oxidados, indicando a cientistas que existem muitos caminhos químicos para sustentar a vida no subsolo. Este processo de oxidação ajuda a impulsionar a liberação de energia química. Portanto, além das fumarolas hidrotermais, o processo de oxidação gera energia extra no oceano.

Até 2028 aNasa enviará uma missão para a maior lua de Saturno em busca de vida alienígena.

Esta poderosa fonte de energia química, juntamente com a presença de compostos orgânicos precursores de aminoácidos como o HCN, sugere que as moléculas do oceano de Encélado podem não apenas ser essenciais à construção da vida, mas também “sustentar essa vida por meio de reações metabólicas”, conforme explicou Jonah Peter. A semelhança com ambientes terrestres é notável, visto que as moléculas encontradas são compatíveis com os produzidos em sistemas hidrotermais profundos da Terra, onde a vida prospera sem luz solar.

A soma de todos esses fatores—água líquida, os elementos CHNOPS (incluindo o fósforo abundante), compostos orgânicos complexos e diversas fontes de energia— faz com que Encélado seja um fortíssimo candidato para o desenvolvimento de microrganismos ou bactérias. O Dr. Fabian Klenner, coautor do estudo, resumiu a magnitude da descoberta: “Ter uma variedade de compostos orgânicos em um mundo aquático extraterrestre é simplesmente fenomenal”.

Implicações e o futuro da exploração

Apesar do entusiasmo gerado pelas novas revelações, os pesquisadores mantêm a prudência, ressaltando que a presença de moléculas orgânicas complexas e ingredientes de habitabilidade não é, por si só, evidência direta de vida. Christopher Glein, cientista planetário e geoquímico do Southwest Research Institute, observou que “ter os ingredientes é necessário, mas eles podem não ser suficientes para um ambiente extraterrestre hospedar vida”. A questão de saber se a vida realmente se originou no oceano de Encélado permanece em aberto.

No entanto, o impacto duradouro dos dados da Cassini, que continua a fornecer novas informações quase duas décadas após a coleta, é inegável. Nicolas Altobelli, cientista do projeto Cassini na ESA, comentou em um comunicado da agência que é “fantástico ver como ainda estamos aprendendo com a Cassini. Isso certamente orientará as futuras missões às luas geladas de Saturno e Júpiter”. O legado da Cassini inspirará futuras missões que podem responder à pergunta fundamental sobre a existência de vida extraterrestre.

Linda Spilker, cientista planetária no Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, reconheceu que “Agora que sabemos que muitos dos ingredientes para a vida estão por aí, a questão é: existe vida além da Terra, talvez em nosso próprio sistema solar?”. De fato, o próximo passo lógico é retornar ao satélite para investigações in situ. A Agência Espacial Europeia (ESA) já considera planos de lançar uma missão dedicada a Encélado por volta de 2042, com o objetivo de orbitar a lua e, potencialmente, pousar em sua região polar sul.

O cientista planetário Nozair Khawaja, que esteve envolvido nos estudos sobre as moléculas orgânicas, reforçou a urgência dessa exploração. Ele disse que o próximo passo é claro: “precisamos voltar a Encélado para ver se o oceano habitável é realmente habitado”. Para Khawaja, qualquer resultado será transformador; ele argumenta que “Mesmo não encontrar vida em Encélado seria uma grande descoberta, porque levanta sérias questões sobre por que a vida não está presente em tal ambiente quando as condições certas estão lá”. A NASA também está focada em outros mundos oceânicos promissores, como Europa, a lua de Júpiter, com missões como a Europa Clipper e a Juice da ESA a caminho para caracterizar as condições desses satélites.

Redação Vigília

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