Primeiras imagens do Observatório Vera Rubin inauguram nova era na astronomia

Primeiras imagens do Observatório Vera Rubin inauguram nova era na astronomia
As 'primeiras luzes' do Observatório Vera C. Rubin - uma janela para o céu que promete mudar para sempre a nossa astronomia e cosmologia (Crédito: NSF–DOE Vera C. Rubin Observatory)

Um novo capítulo na história da astronomia começou oficialmente na segunda-feira, 23 de junho de 2025, com a divulgação das primeiras imagens captadas pelo Observatório Vera C. Rubin, instalado nos Andes chilenos. A revelação, feita durante uma coletiva de imprensa transmitida ao vivo para todo o mundo, foi descrita por seus idealizadores como o início de uma verdadeira “avalanche de descobertas”.

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O evento principal aconteceu na capital dos Estados Unidos, mas incluiu transmissões direto do local do telescópio, além de celebrações públicas organizadas em seis continentes. No Brasil, a Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro, sediou um encontro especial para marcar a ocasião.

Observatório Vera Rubin - Crédito: RubinObs-NOIRLab-SLAC-DOE-NSF-AURA-W. O'Mullane
Observatório Vera Rubin – Crédito: RubinObs-NOIRLab-SLAC-DOE-NSF-AURA-W. O’Mullane

As imagens são, de fato, extraordinárias. Uma delas combina 678 exposições registradas em apenas sete horas para revelar as nebulosas da Lagoa e Trífida em impressionantes tons rosados e alaranjados, exibindo estruturas que antes não eram discerníveis. Outra composição oferece uma ampla visão do Aglomerado de Virgem, região do universo povoada por galáxias. Segundo o cientista do projeto, Željko Ivezić, a imagem inclui mais de 10 milhões de galáxias, muitas delas jamais observadas de perto.

Um vídeo divulgado junto às imagens, batizado de O baú do tesouro cósmico, começa com um close em duas galáxias e se afasta para mostrar milhões de outras. Detalhe: uma fotografia prévia de uma galáxia espiral divulgada ainda antes da coletiva revelava apenas 2% da área coberta pela imagem completa — que possui incríveis 3200 megapixels. Para vê-la em resolução total, seriam necessárias 400 televisões 4K, ocupando o espaço de uma quadra de basquete.

Mesmo com poucos dias de operação, os primeiros resultados científicos já surpreendem: mais de 2 mil asteroides desconhecidos foram identificados, sete deles classificados como objetos próximos da Terra — embora sem risco de colisão.

O entusiasmo é compartilhado por autoridades. “As imagens e dados do Rubin sustentarão avanços científicos em escala global”, disse Michael Kratsios, diretor da Casa Branca para ciência e tecnologia. Já Chris Wright, secretário de Energia dos EUA, resumiu o clima de expectativa: “O filme começou, a câmera está rodando, e agora veremos o cosmos se desdobrar diante de nós”.

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Uma máquina de descobertas

O Rubin é uma colaboração entre a National Science Foundation (NSF) e o Departamento de Energia (DOE) dos Estados Unidos. O investimento soma mais de US$ 800 milhões, dos quais US$ 571 milhões foram aplicados pela AURA (Association of Universities for Research in Astronomy). O projeto envolveu mais de 40 instituições internacionais de 28 países, incluindo o Brasil.

O país participa por meio do Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA), que oferece suporte computacional à operação e garante acesso científico exclusivo a cerca de 120 pesquisadores brasileiros, em troca de uma contribuição “in-kind”.

O coração do observatório é a LSST Camera, a maior câmera digital já construída, com 3200 megapixels distribuídos em 189 sensores CCD. Ela oferece um campo de visão equivalente a 45 Luas cheias e foi montada no SLAC National Accelerator Laboratory, na Califórnia. Instalada no telescópio Simonyi Survey, de 8,4 metros, a câmera combina alta resolução com extrema agilidade. O telescópio pode se mover em segundos — de 10 a 100 vezes mais rápido que observatórios de grande porte — uma vantagem fundamental para o objetivo da missão: o Legacy Survey of Space and Time (LSST).

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Câmera LSST sendo instalada em março de 2025 - Crédito: RubinObs-NOIRLab-SLAC-NSF-DOE-AURA-B. Quint
Câmera LSST sendo instalada em março de 2025 – Crédito: RubinObs-NOIRLab-SLAC-NSF-DOE-AURA-B. Quint

A missão do LSST, prevista para começar “ainda este ano”, deve durar 10 anos e mapear continuamente o céu do hemisfério sul, com imagens a cada três ou quatro noites. No final, serão 40 bilhões de objetos celestes registrados, em um gigantesco “filme time-lapse do universo”. A produção de dados será massiva: 20 terabytes por noite, superando, em um único ano, todos os demais observatórios ópticos combinados.

Do sistema solar à matéria escura

As metas científicas do Rubin abrangem quatro frentes principais:

  • Energia e matéria escura: O telescópio mapeará a distribuição de galáxias no tempo e no espaço, buscando pistas sobre as forças misteriosas que compõem 95% do universo.
  • Sistema solar: Espera-se a descoberta de 5 milhões de novos asteroides, número cinco vezes superior a todos os asteroides já conhecidos. O Rubin poderá detectar entre 60% e 90% dos asteroides potencialmente perigosos com mais de 140 metros de diâmetro.
  • Eventos transitórios: O Rubin deve emitir até 10 milhões de alertas por noite sobre mudanças no céu, como explosões estelares, supernovas e outros fenômenos raros — incluindo possíveis eventos jamais classificados.
  • Via Láctea: A missão mapeará os movimentos e características de milhões de estrelas, lançando luz sobre a formação e estrutura da nossa galáxia.

Além do equipamento de ponta, o observatório conta com sistemas de software inovadores, como algoritmos que removem rastros de asteroides das imagens compostas. O portal Skyviewer.app permite explorar as imagens em detalhes absurdamente minuciosos, inclusive com recursos de sonificação de dados, que transformam as imagens em som.

A equipe também prepara iniciativas de ciência cidadã com o Zooniverse e desenvolve materiais didáticos para escolas e planetários. Todos os dados do Rubin serão abertos e públicos, e os alertas sobre eventos serão distribuídos sem restrições, permitindo que telescópios do mundo todo acompanhem em tempo real.

Vera Rubin: a astrônoma que enxergou o invisível

O observatório homenageia Vera C. Rubin, astrônoma norte-americana falecida em 2016. Pioneira na detecção das evidências da matéria escura, ela é reconhecida por ter transformado nossa visão sobre o cosmos — e por abrir caminhos para gerações de mulheres na ciência.

Rubin percebeu que as estrelas nas bordas das galáxias orbitavam rápido demais para que a matéria visível explicasse essa rotação. A única solução: uma forma invisível de matéria que exerce gravidade — mas não emite luz.

Seu filho, Allan Rubin, declarou certa vez à NSF que “Vera acreditava que sempre há mais a ser descoberto. Vamos continuar descobrindo juntos e provar que ela estava certa”.

Com uma missão ambiciosa, tecnologias sem precedentes e acesso irrestrito aos dados, o Observatório Vera C. Rubin promete honrar o nome que carrega — e ajudar a humanidade a revelar os mistérios mais profundos do universo.

Redação Vigília

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