SETI revisa protocolos de contato: cientistas se preparam para detecção de extraterrestres

A Academia Internacional de Astronáutica (IAA) está finalizando uma atualização crucial e abrangente de seus Protocolos de Pós-Detecção SETI, ou seja, um conjunto de diretrizes projetadas para orientar a comunidade científica global no caso de uma descoberta confirmada de inteligência extraterrestre (ETI). O Grupo de Trabalho de Protocolos de Pós-Detecção do Comitê SETI da IAA, estabelecido em 2022 para esta finalidade, apresentou um rascunho revisado — a Declaração de Princípios Atualizada de 25 de setembro de 2025 — no 76º Congresso Internacional de Astronáutica (IAC) em Sydney, Austrália, realizado de 29 de setembro a 3 de outubro de 2025.
Este movimento estratégico surge em resposta direta aos avanços significativos nas metodologias de busca, à crescente internacionalização da pesquisa SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence) e à “crescente complexidade do ambiente de informação global”. A expectativa é que o documento revisado seja ratificado por votação até o final de 2025 e endossado pelo Conselho de Administração da IAA no primeiro semestre de 2026, com sua apresentação formal ao público internacional prevista para o IAC 2026 em Antália, Turquia.
A força-tarefa, composta por líderes como Michael A. Garrett (do Jodrell Bank Centre for Astrophysics, Reino Unido, e Leiden Observatory, Holanda), Kathryn Denning (do Departamento de Antropologia da York University, Canadá), Leslie I. Tennen (do Law Offices of Sterns and Tennen, EUA, especializado em direito), e Carol Oliver (do Australian Centre for Astrobiology, Austrália) empreendeu um processo rigoroso e multifásico de consulta estruturada, buscando opiniões da comunidade SETI mais ampla para garantir que os princípios permaneçam “relevantes e eficazes num mundo em rápida mudança”, segundo o documento.
A revisão amplia notavelmente o foco, passando da primazia em sinais de rádio para englobar as chamadas “tecnoassinaturas” de maneira geral, definidas como “evidência observável de tecnologia construída ou utilizada por seres extraterrestres como sinais de rádio de banda estreita, emissão laser, excesso de infravermelho associado com uso de energia em larga escala, anomalias em medições astronômicas devido a megaestruturas etc, ou um artefato“.
O novo texto enfatiza maior transparência na comunicação, a proteção da segurança dos pesquisadores e a colaboração com órgãos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) para lidar com a possibilidade de uma resposta.
O legado SETI e a necessidade de adaptação
O histórico de princípios orientadores para o contato com inteligências extraterrestres remonta a 1989, quando foi formulada a “Declaração de Princípios Referentes às Atividades Após a Detecção de Inteligência Extraterrestre”, que “estabeleceu uma estrutura voluntária para as melhores práticas em verificação, partilha de informação e consulta internacional”.
Esse documento fundacional, amplamente reconhecido pela comunidade científica internacional, foi complementado em 1995 por um conjunto de rascunhos de protocolos que abordavam especificamente a possibilidade de uma resposta a um sinal extraterrestre. Ambos os documentos foram posteriormente apresentados à Comissão das Nações Unidas sobre a Utilização Pacífica do Espaço Exterior (UNCOPUOS) em 2000.
Em 2010, a Declaração de Princípios da IAA foi simplificada e atualizada, mas, conforme reconhecido pelos autores da revisão atual, ela “precedeu o cenário atual de comunicações em rápida evolução moldado pela internet, mídia social e Inteligência Artificial (IA)”.
Desde então, a ciência SETI passou por um “desenvolvimento significativo”, incluindo a diversificação das metodologias de busca por tecnoassinaturas e o crescimento de uma comunidade de pesquisa global e interdisciplinar. Essa rápida evolução sublinhou a necessidade de uma nova revisão profunda, levando à formação da Força-Tarefa em 2022, com o objetivo de “preservar os valores duradouros dos documentos anteriores, tornando-os relevantes para as realidades da ciência, mídia e engajamento público do século XXI”.

A natureza do documento é reconhecida pelo Grupo como um “documento vivo”. O processo de adaptação também ocorre num cenário de interesse crescente em questões de pós-detecção, incluindo o foco significativo dentro do Programa de Astrobiologia da NASA sobre os padrões de evidência para bioassinaturas e como comunicar tais descobertas ao público. O esforço atual da IAA busca garantir que as melhores práticas no SETI sejam informadas tanto pela “rigor científico” quanto pela experiência de disciplinas relacionadas, como astrobiologia, antropologia, direito, ciências sociais e comunicação.
O processo de revisão e a voz da comunidade
O processo de atualização tem sido de múltiplos anos. Uma das etapas mais importantes foi a busca por feedback amplo e estruturado, que começou após a apresentação de um rascunho revisado na IAC 2024 em Milão. Em 2025, o Grupo de Trabalho criou formulários Google para permitir que os membros do Comitê SETI da IAA fornecessem comentários direcionados e avaliassem sua satisfação com cada Princípio numa escala de 1 a 10, garantindo o anonimato.
Embora apenas cerca de 15% dos membros tenham fornecido feedback nessa fase inicial, a Força-Tarefa utilizou ferramentas como o ChatGPT para organizar e resumir os comentários. Em agosto de 2025, um novo rascunho revisado foi distribuído para feedback da comunidade SETI mais ampla, expandindo o alcance para além dos membros do comitê. A pesquisa foi enviada a mais de 350 indivíduos, incluindo listas de e-mail da comunidade SETI, membros do Order of the Octopus (uma rede de pesquisadores em início de carreira), e cerca de 25 especialistas em direito espacial, incluindo membros do Grupo de Trabalho de SETI e Direito do Instituto Internacional de Direito Espacial.
O resultado dessa consulta ampliada foi “fortemente positivo”, segundo os responsáveis pela empreitada. Dos 30 respondentes que avaliaram o rascunho de agosto de 2025, “mais de 70% dos respondentes classificaram sua satisfação com o documento em 8 ou mais numa escala de 10 pontos”, explicaram na apresentação dos dados.
O feedback também veio de um leque equilibrado de categorias etárias, gêneros, regiões geográficas e áreas de especialização, incluindo astronomia, física, ciências sociais, direito, e comunicações. O engajamento ativo da comunidade mais vasta e de organizações aliadas foi “crítico para moldar um documento que aspira a servir como uma fundação durável, porém flexível, para as melhores práticas nas décadas futuras”.
Mudanças estruturais e alcance ampliado
Organizado em tópicos na forma dos chamados “Princípios”, o rascunho revisado de 25 de setembro de 2025 incorpora várias alterações substanciais em comparação com o documento de 2010. Uma mudança importante diz respeito à estrutura de endosso, onde a força-tarefa determinou que “os protocolos devem ser considerados como a responsabilidade coletiva da comunidade SETI internacional”. Isso significa que o objetivo é que o documento represente uma melhor prática endossada coletivamente, em vez de exigir a assinatura formal de instituições, organizações ou indivíduos.
O escopo ampliado para tecnoassinaturas é fundamental, movendo a declaração de um foco principal em sinais de rádio. Além disso, o preâmbulo foi expandido para incluir novas considerações, como a elaboração de “Diretrizes de Melhores Práticas e Códigos de Conduta suplementares” e o esclarecimento das responsabilidades de indivíduos e organizações na comunicação pública.
Em relação à conduta na descoberta, as disposições sobre pesquisa pós-detecção foram aprimoradas (Princípio #7) e nova linguagem foi adicionada (no Princípio #9) para abordar considerações éticas e legais. O documento exige que os profissionais SETI “colaborarão com as autoridades legais internacionais para estabelecer estruturas claras para gerenciar a disseminação de informações”.
A questão da comunicação e arquivamento de dados ganhou destaque. O documento atualizado consolida os Princípios #4 e #5, exigindo uma articulação mais clara dos procedimentos para lidar com evidências candidatas. Isso inclui um forte reforço nas disposições sobre “arquivamento de dados de longo prazo e acessibilidade”, exigindo que todos os dados “devem ser preservados e disseminados à comunidade científica internacional” e armazenados de forma segura “em pelo menos dois repositórios em diferentes localizações geográficas”.
Além disso, houve um maior ênfase na “transparência na comunicação com a comunidade científica e o público”, incluindo a inserção de linguagem para realçar a importância de proteger a segurança dos pesquisadores e “mencionar expressamente a comunicação de risco, bem como a comunicação científica”.

A questão da resposta e a governança futura
Um dos elementos mais sensíveis e debatidos nos protocolos é o que fazer no caso de uma detecção confirmada, ou seja, se haverá ou não uma resposta. O Princípio #7 (Comunicações com ETI após uma detecção confirmada) do rascunho de setembro de 2025 estabelece que os praticantes SETI devem cooperar “com consultas internacionais apropriadas para considerar se uma potencial resposta a uma detecção confirmada de inteligência extraterrestre deve ser feita, e, em caso afirmativo, o seu conteúdo”.
Crucialmente, o princípio exige que, “pendentes os resultados de tais consultas, nenhuma resposta deve ser enviada”. Essas consultas devem ser conduzidas através da ONU e outros órgãos internacionais representativos. Embora o rascunho de outubro de 2024 tivesse usado uma linguagem mais forte do que a versão de 2010, o rascunho de agosto de 2025 apresentou uma redação menos rigorosa para discussão, indicando que o debate sobre os detalhes dessas mudanças continua.
Para apoiar a implementação desses princípios, a Declaração exige a manutenção de um Subcomitê de Pós-Detecção dentro do Comitê SETI da IAA. Este subcomitê terá o papel de “ajudar e aconselhar em matérias que possam surgir no caso de uma detecção confirmada”. Além de incluir cientistas, este órgão também deve contar com “profissionais de ética, direito, ciências sociais e comunicações, bem como pesquisadores de comunicação com experiência em comunicação científica e de risco”. Esse foco interdisciplinar reflete o entendimento de que uma detecção de ETI não é apenas um evento científico, mas um desafio legal, social e comunicacional complexo.
O objetivo final deste processo de revisão é garantir que, no caso de uma detecção de tecnoassinatura credível, a comunidade tenha a capacidade de “responder de maneira coordenada, transparente e cientificamente rigorosa”.
Depois de o documento ser aprovado, o Comitê Executivo SETI da IAA apresentará a versão ratificada ao Conselho de Administração da IAA para endosso no primeiro semestre de 2026, preparando o caminho para um marco importante: a apresentação formal dos novos protocolos na IAC 2026. Os autores consideram que “a adoção final do novo documento representará um marco significativo para a comunidade SETI global no estabelecimento de princípios de melhores práticas atualizados e orientados por consenso para a conduta da pesquisa”.







