A jornada de Artur Berlet: um tratorista no planeta Acart

Na noite de 14 de maio de 1958, o céu de Sarandi, no Rio Grande do Sul, guardava um segredo que mudaria para sempre a vida de Artur Berlet. O tratorista de 44 anos, conhecido por sua rotina simples, via-se diante de uma luz intensa enquanto retornava para casa após um dia de trabalho. O clarão, que brilhava no meio do mato a 200 metros da estrada, parecia desafiar a lógica. Curioso, Berlet atravessou a cerca de arame farpado e se aproximou. O que encontrou foi um objeto circular de 30 metros de diâmetro, semelhante a “duas bandejas viradas uma contra a outra”, silencioso e envolto em uma aura opaca. Antes que pudesse reagir, vultos emergiram da estrutura. Um jato de luz branca o atingiu. Tudo escureceu.
Quando recobrou a consciência, Berlet já não estava no Rio Grande do Sul. Amarrado a um leito metálico, cercado por seres altos de pele clara e olhos azulados, tentou comunicar-se em português, espanhol e italiano — sem sucesso. Foi só ao usar o alemão, idioma comum em sua região de colonização, que um dos seres respondeu: “Deutsch?” (Alemão?). Era Acorc, que seria seu guia no planeta Acart, localizado a 62 milhões de quilômetros da Terra, segundo a descrição do próprio viajante. A distância, questionada por cientistas, seria apenas o primeiro de muitos detalhes a desafiar o conhecimento da época.
Nos dias seguintes, Berlet mergulhou em uma realidade paralela. Cidades superpopulosas, com prédios de nove andares e marquises para pouso de naves, contrastavam com a simplicidade de Sarandi. A água, “leve como gás”, escorria sem molhar. A gravidade, mais branda, deixava seus membros inchados. Tecnologias como paredes fosforescentes e “desintegradores” de radiação nuclear eram comuns. Acorc explicou que, em Acart, não havia dinheiro: todos trabalhavam para o bem coletivo e se aposentavam aos 36 anos. O planeta, porém, enfrentava uma crise demográfica. “Quando vocês se destruírem com armas atômicas, ocuparemos a Terra”, disse o ser, segundo os relatos.
Um alerta do espaço
Berlet trouxe consigo mais do que histórias. Em sua mochila, carregava 14 cadernos preenchidos a lápis — centenas de páginas detalhando desde a arquitetura acartiana até diagramas de naves movidas a energia solar. Descreveu a Terra vista do espaço como uma “esfera azul”, três anos antes de Yuri Gagarin usar a mesma expressão. Seu livro, Da Utopia à Realidade, publicado com apoio de ufólogos, misturava profecia e crítica social. “Contra quem toda essa preocupação [com armas]? Contra nossos irmãos, pais, filhos… nossa própria espécie”, questionava.
Onze dias após o desaparecimento, Berlet reapareceu a 5 km de Sarandi, desorientado e com roupas sujas. A história, rejeitada por céticos, ganhou vida própria. Militares, ufólogos e até sociólogos debateram o caso. Era fraude? Alucinação? Ou um contato real, como sugerem os manuscritos que ainda hoje desafiam explicações?
As controvérsias vieram rápido. Como um homem semianalfabeto descreveria silício monocristalino, material usado em painéis solares e só descoberto oficialmente anos depois? Críticos duvidavam. Defensores, como o físico Álvaro Becker, destacavam a precisão de detalhes técnicos. A família de Berlet consentiu em disponibilizar parte dos manuscritos em exposição permanente no Museu Internacional de Ufologia, em Itaara, no Rio Grande do Sul.
Do manuscrito ao livro: um legado sem lucro
A transformação dos 14 cadernos em livro foi uma saga. Publicado pela primeira vez em 1967, Da Utopia à Realidade teve apenas 124 páginas na edição original, mas ganhou uma versão ampliada décadas depois, com páginas revisadas e prefácio da filha Ana Heid Berlet, que herdou a missão de preservar a história do pai, assim como o neto, Alison Berlet e outros membros da família. A obra, que mistura relatos técnicos detalhados e reflexões filosóficas, nunca rendeu lucros significativos a Berlet. “Ele nunca quis fama ou dinheiro. Escreveu para que as pessoas soubessem da ameaça que enfrentamos”, disse Ana em entrevistas.

A nova edição, com capa verde, muito mais páginas e atualizações ortográficas, é vendida diretamente pelo perfil em homenagem a Artur e mantido pela família. Apesar do interesse de ufólogos, o livro permanece obscuro para o grande público. Uma cópia está guardada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, e exemplares raros circulam entre colecionadores. A discrepância entre as versões — alguns leitores afirmam ter edições de 148 páginas — alimenta teorias sobre censura ou acréscimos póstumos.
Entre o legado, o mistério e o ceticismo
O caso regularmente volta a ser discutido em Podcasts, grupos de whatsapp e fóruns online. Em uma discussão de 86 páginas no Fórum do Portal Vigília, iniciada em 2005, usuários questionaram desde a distância de Acart à Terra (“62 milhões de quilômetros não correspondem à órbita de nenhum planeta conhecido”) até o propósito da abdução. “Por que mostrar tecnologias a um tratorista e não a um líder político?”, indagou um participante. A própria Anara Paula Berlet, outra filha de Artur, entrou no debate em 2005 para defender o pai. “Infelizmente, meu pai nunca ganhou dinheiro com este livro. Muitos estão lucrando no exterior, mas minha mãe vive com uma aposentadoria de menos de R$ 400”, escreveu, respondendo a uma pergunta irônica sobre enriquecimento.
Um dos participantes sugeriu que Acart poderia ser uma nave-mãe artificial, não um planeta. Outros levantaram suspeitas sobre o sistema político descrito (“uma ditadura disfarçada?”) e a escolha do alemão como idioma de contato. Em todas as oportunidades de falar sobre o episódio, a família de Berlet sempre manteve a postura firme: Artur passou anos sendo ridicularizado, mas nunca mudou sua versão, não inventou nada.
Seja qual for a verdade, o Caso Berlet transcende o folclore. Em um Brasil rural dos anos 1950, um tratorista semianalfabeto antecipou debates sobre energia limpa, crise nuclear e até videofones — tecnologias que só se tornariam comuns décadas depois. Sua jornada, real ou imaginada, permanece como um espelho das angústias humanas: o medo da autodestruição e a eterna busca por respostas além das estrelas.