Geólogos falam sobre sua pesquisa no Xingu em busca de possível meteorito
Dois meses depois da suposta queda de um meteorito próximo à cidade de São Félix do Xingu, no Pará, o episódio continua sem uma explicação definitiva. No dia 9 de outubro, alguma coisa causou grande alarde entre os índios e habitantes de povoados próximos ao local da suposta queda, uma ilha na região do Alto Xingu conhecida como Zé Bispo. O inusitado acontecimento se fez perceber com uma explosão que foi sentida a vários quilômetros de distância, logo após um estranho objeto que soltava fumaça preta ser observado cruzando o céu em grande velocidade (veja matéria completa).
Além dos índios Kaiapos e uma unidade Salvaero, da Aeronáutica, comandada pelo I Comando Aéreo Regional, de Belém, os únicos a conseguirem chegar ao local de difícil acesso foram a equipe de reportagem da TV Bandeirantes, de Belém – comandada pelo repórter Ronaldo Vilhena – e dois geólogos convidados pela emissora, Nélio G. A. da Mata Rezende, do Serviço Geológico do Brasil, e Rômulo Simões Angélica, professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará.
Por e-mail, a Revista Vigília conseguiu contato com os pesquisadores, que se prontificaram a conceder uma entrevista.
Tendo finalizado um extenso relatório sobre sua incursão ao Xingu, na entrevista, em conjunto, os geólogos contaram em detalhes os depoimentos que colheram na região o que observaram e as hipóteses do que pode ter acontecido. Hipóteses, porque os dados até o momento não permitiram uma conclusão definitiva.
As matérias a respeito do assunto veiculadas pela Rede Band de Televisão, pelo Jornal Diário do Pará e pela Revista Vigília, chamaram a atenção até mesmo do geofísico russo Andrei Ol’khavatov, que pesquisa a explosão ocorrida no início do século em Tunguska, na Sibéria, que chegou a ser comparada na comunidade ufológica ao “evento Xingu”, como é denominado pelos geólogos paraenses. Ol’khavatov investiga a possibilidade de que o ocorrido no Alto Xingu poderia ser efeito de um tipo raro de fenômeno geofísico, ainda sem denominação formal, provisoriamente chamado meteoro geofísico (ou Nonlocal Natural Explosions – sigla NNE).
A explicação do russo, ainda embrionária por estar em fase de pesquisa, segundo os geólogos brasileiros, ainda esbarra em alguns problemas quando confrontada com as características do “Evento Xingu”. Da mesma forma, os dados conseguidos pelos pesquisadores põem em dúvida a relação entre o objeto visto no céu e a explosão.
Contudo, apesar sua experiência na pesquisa de meteoritos – três anos atrás, Nélio Rezende investigou uma queda de meteorito na cidade de Parnarama, no Maranhão – os pesquisadores ainda não tem uma explicação definitiva para o que realmente aconteceu.
A seguir, a entrevista realizada via e-mail:
Em tempo: quando finalizávamos esta matéria, o Observatório Sismológico da Universidade de Brasília informava que o possível impacto do objeto no Xingú não havia sido detectado pelos sismógrafos do Distrito Federal, onde fica localizada a estação sismológica -em operação- mais próxima do ponto da queda.
Vigília: Antes de tudo, queria pedir ao professor Rômulo para descrever o envolvimento de ambos com o “Evento Xingu”. Como foi até agora e está sendo esse processo?
Rômulo Angélica (e Nélio Rezende): Nosso envolvimento foi circunstancial. A Rede Brasil Amazônia (Band, em Belém) encampando uma visão de jornalismo científico, contatou com o Centro de Geociências da Universidade Federal do Pará, solicitando a indicação de um geólogo para acompanhar uma equipe de reportagem à região do Xingu, onde teria caído um objeto-não-identificado. Não sabíamos porque eles já faziam menção a um suposto meteorito. Sugerimos, na oportunidade, que o convite fosse estendido, também, à CPRM, O Serviço Geológico do Brasil. Fomos escolhidos eu, da UFPA, e o geólogo Nélio Rezende, da CPRM, que já havia visitado a área de Parnarama, no Piauí, onde também supostamente teria havido a queda de um meteorito (em Parnarama foi evidenciado uma grande cratera, mas não foi encontrado meteorito, mesmo após escavações). Nosso envolvimento com o “evento Xingu” foi bastante proveitoso, deslocando-nos da nossa rotina de ação, para pesquisar sobre meteoritos, OVNI, NNE [Nota do Editor: Nonlocal Natural Explosions], etc.
V: A informação da FAB, de área atingida de “1/4 de campo de futebol”, corresponde ao que foi observado no local?
R: Quando chegamos ao local do “evento” já fazia alguns dias que a FAB tinha estado lá, e ainda havia fogo na área. A área queimada já era bem maior. Algo da ordem de 200m x 100m. Temos fotografias da área, além de diversos outros aspectos, tomadas durante a viagem.
V: Como estava essa área?
R: O cenário encontrado foi, realmente, surpreendente. Uma floresta bosqueada, onde o fogo deixou sua marca, principalmente na vegetação mais baixa, provavelmente devido à queima da folhagem seca, abundante nas matas da Amazônia. Havia árvores caídas, como que arrancadas do solo, mas espaçadas entre si de muitos metros, e sem uma orientação preferencial de queda (esse é um fato importante, que você verá depois o porquê). Quedas aparentemente aleatórias. As cinzas, no solo, e os efeitos do fogo, dificultaram diagnosticar se todas essas árvores haviam caído recentemente. Em alguns casos parecia que sim. Os buracos deixados nos pés das árvores caídas foram as únicas “crateras” que encontramos. Não localizamos clareira, ou cratera maior, que pudesse caracterizar um ponto focal do incêndio, ou um ponto de impacto e explosão, epicentro do tremor ocorrido naquela terra. Nenhum fragmento de rocha, ou qualquer outro fragmento metálico (possível parte de uma aeronave) também foi encontrado. A cor escura do solo, coberto de matéria vegetal carbonizada, pode ter contribuído para mascarar a aventada presença desses fragmentos. Nos troncos das árvores que permaneceram em pé, não se observou marcas de impacto de estilhaços derivados da possível fragmentação de um corpo sólido, natural ou artificial. Decorridas duas semanas do acidente, ainda havia pequenos focos de incêndio, em troncos de árvores caídas. (Esse fato não é inusitado. É passível de ocorrer quando se broca e faz a queimada da mata, especialmente na época da estiagem. Porém, na época do evento, ainda estava chovendo ocasionalmente na região). Alguns membros da equipe, entre os quais o geólogo Rômulo Angélica e o repórter Ronaldo Vilhena, perceberam um cheiro forte, não identificado. Aparentemente não se tratava de pólvora queimada, ou de qualquer produto inflamável conhecido. (Esse odor, de ocorrência localizada, pode ter sido originado da queima de algum tipo de madeira, desconhecido da equipe, ou estar associado diretamente ao evento). Medições do índice de radioatividade no local mostraram-se compatíveis com os valores do “background” (valores médios ou normais) regional (50 a 70 cps).
V: Que equipamentos de análise o Professor e seu colega Nélio utilizaram? O que constataram?
R: Dispúnhamos de bússolas, GPS, imãs, cintilômetro (medidor de radiatividade) e magnetômetro. Não foi detectado qualquer tipo de anomalia radiométrica ou magnética.
V: Poderia ter sido apenas uma queimada? Que evidências comprovam ou descartam essa hipótese?
R: Como costume local, no preparo da terra para o plantio, só se faz queimada após a broca, isto é, após derrubar as árvores maiores, deixando depois a mata derrubada secar, para, então, tocar fogo. Não havia qualquer sinal de ação antrópica nas árvores caídas e adjacências. Além do mais, segundo a experiência local, mesmo em queimadas feitas pelo homem, o fogo não dura muito tempo, 3 ou 4 dias talvez, e apaga naturalmente. Neste caso o fogo durou mais de 3 semanas. Tem que ter havido um “combustível” para alimentar esse fogo.
V: Na hipótese da queda de um meteorito de fato, não ficariam vestígios? Ou ele poderia simplesmente ter se pulverizado antes do impacto?
R: A hipótese da queda de um meteorito, a princípio, não deve ser descartada. A inexistência de crateras ou fragmentos de rocha, no local, não invalida essa possibilidade. Algumas características, embutidas nos relatos de testemunhas, enquadram-se no leque de fenômenos associados à queda de um meteorito:
O rastro de fumaça escura – Pode ser a poeira resultante do processo de ablação e desintegração do meteorito, devido ao atrito com a atmosfera;
A explosão – Alguns meteoritos fragmentam-se de forma explosiva durante o impacto no solo, ou mesmo quando ainda na atmosfera. Essa explosão, em geral, pode ser captada dezenas de quilômetros do local onde ocorreu. Dependendo da velocidade do meteorito (quando acima da velocidade do som), pode haver geração de ondas de choque, ou ondas de pressão, que são sentidas no terreno como uma explosão. Essas ondas podem provocar a queda de árvores, como aventado para o caso de Tunguska, na Sibéria, em 30.06.1908. (Ver comentário mais adiante).
O tremor de terra – Dependendo da massa do meteorito e da sua velocidade, o impacto no solo pode provocar esse efeito, que poderá, até, ser detectado em estações sismográficas mais próximas do local;
O incêndio – Há precedentes de registro de incêndio possivelmente associados à queda de meteoritos. Um caso famoso é o de Tunguska, na Sibéria.
A inexistência de fragmentos do meteorito – A desintegração explosiva pode ser tão intensa a ponto de pulverizar totalmente o meteorito. Algumas vezes os fragmentos existem mas são de difícil localização, por confundirem-se com o substrato escuro onde caíram. No caso do Xingu, a vegetação carbonizada pode estar dificultando essa localização.
O som semelhante ao de um avião – O movimento acelerado de rotação de um objeto irregular pode gerar som. Testemunhas do fenômeno de fireballs registram a ocorrência de um ruído semelhante ao esvaziar de um pneu de carro, ou ao produzido pelo rotor de um helicóptero (whoomping).
V: Há similaridades entre a ocorrência no Xingu e a outra, há três anos, no Maranhão, na cidade de Parnarama?
R: No caso de Parnarama, Nélio visitou o local e entrevistou testemunhas oculares. Houve uma “bola de fogo”, um grande estrondo, e foi localizada a cratera, com cerca de 5m de diâmetro. Escavações no local, até a época da visita, não encontraram quaisquer fragmentos de meteorito, e já se tinha alcançado a profundidade de 20m. Desconhecemos se foi realizado algum estudo geoquímico no local, para detectar possíveis anomalias em elementos característicos desses corpos extraterrestres.
V: Na conversa que tive com o repórter Ronaldo Vilhena, pedi que ele tentasse definir o cheiro “estranho” sentido no local, mas ele se disse incapaz de comparar a qualquer coisa que conheça. O professor tem uma opinião a respeito?
R: Esse foi um ponto de divergência entre nós, já que é algo bastante subjetivo. Eu e o Ronaldo sentíamos um odor diferente no ar, enquanto o Nélio não. Tanto eu como o Nélio temos longas vivências “de mato” e estamos, de certa forma, acostumados com os “cheiros da floresta”.
V: O professor já ouviu falar no provável meteorito de Tunguska, no início do século. Haveria similaridades entre os casos?
R: Esta é uma questão muito interessante. Por coincidência, na época do ocorrido no Xingu, o RBA passou um documentário sobre meteoritos que relatava, em detalhes, o evento Tunguska, ocorrido no início deste século, na Sibéria. Este é um evento bastante famoso e virou exemplo dos livros sobre o assunto. Imediatamente as pessoas passaram a comparar os eventos Xingu e Tunguska. E o fato mais interessante é que um geofísico russo especialista no evento Tunguska [Nota do Editor: Andrei Ol’khavatov] entrou em contato conosco para saber mais detalhes sobre o assunto. Ele tem um site específico sobre o assunto: http://www.geocities.com/CapeCanaveral/Cockpit/3240. É impressionante o nível de profundidade e especialização deste geofísico sobre este assunto. De um modo geral, ele não acredita na hipótese de meteorito para Tunguska, mas que se trata de um fenômeno geofísico do interior da Terra, como descrito no início da reportagem. Segundo seus estudos, tal fenômeno é bastante freqüente e ele tem registrado vários outros “Tunkuskas” menores no território Russo. Para reforçar o seu modelo, ele procurou outros exemplos no mundo. A nossa opinião é que o Evento Xingu não encaixa na hipótese dele porque a região, do ponto de vista geológico, é uma área cratônica estável (desculpe o geologuês), não favorável a esse tipo de fenômeno ou outras manifestações sísmicas.
(Para melhor explicar o conceito de craton: área geologicamente estável, ou seja, sem ocorrência de sismos ou vulcões, basta comparar com uma área não cratônica, como toda a faixa andina, na América do Sul, que é uma zona tectonicamente ativa – de encontro de placas tectônicas – e altamente sujeita a terremotos e vulcões.
V: Quais são suas conclusões a respeito da ocorrência, ou as hipóteses de trabalho? As análises vão continuar de alguma forma?
R: Bem, essa é a parte mais delicada. Como cientistas, e após o nosso trabalho de campo, nós não temos evidências para explicar o ocorrido, dentro do nosso campo de atuação. Mas como qualquer ser humano, nós somos levados a fazer suposições, “achismos”, ou seja lá o que for, sempre para tentar explicar algo que nós não sabemos como explicar.
Bem, então, lá vai o “achismo”: nós desconfiamos que o evento Xingu foi algo químico. Nós não acreditamos em um fenômeno natural (geológico, geofísico, meteorológico etc.), mas em algo provocado, sem saber exato de que forma.
Essa hipótese poderia, talvez, ser confirmada através da análise química de amostras de solo e infelizmente não coletamos material para esse fim.