Audiência pública: a prova de que a Ufologia Brasileira precisa amadurecer

Audiência pública: a prova de que a Ufologia Brasileira precisa amadurecer
Foto montagem - Prédio do Congresso Nacional por Gustavo Lima e Deputado Chico Alencar via Kayo Magalhães e eventos emblemáticos da Ufologia

A audiência pública realizada ontem na Câmara dos Deputados sobre o tema “Ufologia, LAI e potenciais impactos à informação da sociedade e manutenção da soberania nacional” foi, sem dúvida, uma iniciativa louvável da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) e do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). Pela primeira vez, o Parlamento brasileiro se abriu para discutir de forma séria e direta a questão, em um gesto político relevante. Sim, foi a primeira vez, descontada uma sessão solene meramente comemorativa realizada no Senado em homenagem ao Dia Mundial da Ufologia, em 2022.

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Apesar disso, o evento deixou claro que a chamada “Ufologia Brasileira” ainda tem muito a amadurecer e evoluir. Se quer ser levada a sério, precisa repensar alguns de seus conceitos, sua forma de se apresentar e realmente entender seus críticos, por mais enviesados que pareçam.

O primeiro ponto é compreender o que é ciência — e o que não é. Muitos ufólogos, por convicção ou conveniência, ainda confundem método científico com a investigação do simples acúmulo de relatos, registros e depoimentos. Os ufólogos precisam entender e aceitar que o que a Ufologia considera como “ciência” não é a mesma coisa que a Ciência considera como tal. Existem muitas correntes de pensamento na Ufologia. Por mais que algumas se auto-intitulem “científicas”, essa denominação advém basicamente de uma defesa da materialidade física do fenômeno. Ela é baseada em supostas marcas de pouso, vestígios radioativos, registros em radar, fotografias, vídeos etc., mas não na aplicação efetiva do método científico na apuração desses dados.

Ciência, no entanto, é mais que isso: é coletar dados estruturados e verificáveis, estabelecer hipóteses que possam ser testadas, comprovar previsões e submeter todo o processo à revisão independente de outros cientistas. Sem esse ciclo, não há Ciência, há apenas narrativa.

O embate entre um participante cético, vestindo um chapéu de alumínio — cena, aliás, desrespeitosa para com os demais participantes — e a resposta de Vitório Pacaccini ilustram bem essa situação. Embora Pacaccini tenha afirmado, com veemência, a existência de “documentação, fotos e vídeos de seres extraterrestres que foram localizados, capturados, retirados da cidade de Varginha”, nada disso é verificável ou comprovável. Por mais popular que seja o caso, ele está distante de atender a quaisquer critérios para um artigo científico. Obras literárias e entrevistas não são provas; são apenas relatos não corroborados junto com as “certezas” dos pesquisadores. Que, aliás, nem são unânimes, especialmente no Caso Varginha. Basta considerar a posição daquele que é considerado, até hoje, seu principal pesquisador, Ubirajara Franco Rodrigues.

Essa confusão metodológica ficou exposta outras vezes no evento, mesmo que ele tenha reunido vozes de poucas correntes diferentes da Ufologia brasileira. Nenhuma delas conseguiu, de fato, traduzir a questão para o idioma científico ou enfrentar, diretamente, os problemas centrais propostos pela audiência: soberania e acesso à informação. O resultado foi uma sobreposição de convicções e teorias que não são em nada diferentes das exposições típicas dos congressos e eventos dedicados aos entusiastas da Ufologia, de forma que pouco contribuem para o reconhecimento no meio acadêmico, político ou na sociedade em geral.

Há, é claro, esforços pontuais em direção a estudos mais formais, alguns até publicados em periódicos internacionais. Mas é preciso lembrar: com raras exceções, a maior parte das publicações ainda circula apenas em pré-prints, sem revisão por pares, usando repositórios livres como ArXiv ou Academia.edu. Outras aparecem em periódicos de baixa credibilidade, conhecidos como “caça-níqueis”. Essa distinção, comum para cientistas acostumados a navegar entre “boas” e “más” revistas, ainda escapa à maioria dos ufólogos. Portanto, a Ufologia precisa, urgentemente, entender outro conceito do meio acadêmico: o que é a chamada “má ciência”.

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Em países como Estados Unidos, França e Canadá, apenas para citar alguns, já se percebe esse amadurecimento. A nova fase do debate internacional não quer opiniões de ufólogos — quer informações de autoridades, militares e cientistas credenciados. O espaço das teorias mirabolantes e sem respaldo no método, lá fora, tem sido cada vez mais restrito às publicações especializadas e aos congressos internos da área. E isso não significa diminuir o papel do ufólogo. É evidente que muitas das condutas dos parlamentares norte-americanos, por exemplo, encontram consultoria e respaldo direto de conhecidas figuras da Ufologia. Mas não há holofotes para elas. É um recado claro: o estigma do termo OVNI (ou UFO) se estende ao conceito do ser ufólogo, por mais injusto que isso possa ser.

A pouca variedade de vozes na audiência brasileira é outra questão importante. A “comunidade ufológica”, seja qual for a vertente, está calejada de reclamar da “panelização” da área, das “disputas de egos” etc. Mas seu real prejuízo só fica realmente evidente quando da realização de um evento dessa envergadura: quando as divergências internas criam uma barreira para que o mesmo espaço seja ocupado por pensamentos divergentes, cujas informações seriam relevantes para o debate objetivo. Enquanto os grupos se tratarem como adversários ou desafetos, esta será uma batalha perdida.

O debate sobre a soberania nacional e sua relação com a Ufologia trouxe um exemplo claro. Como revelado em documentos e testemunhos já abordados aqui pelo Portal Vigília e outras em obras, até mesmo no livro do denunciante Luis Elizondo, houve interferências e até tentativas de agentes ligados à BAASS, empresa de Robert Bigelow contratada pelo Pentágono, de cooptar pesquisadores brasileiros. O próprio Chico Alencar, em entrevista ao Vigília dias antes da audiência, reconheceu seu desconhecimento sobre casos de interferência estrangeira em investigações no Brasil e classificou como “terrível” essa possibilidade. Ainda assim, o tema foi apenas tangenciado no debate. Os pesquisadores procurados pelos agentes sequer foram lembrados.

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O mesmo pode ser dito em relação ao tema “Acesso à Informação”. Se as forças militares fatalmente se recusariam a enviar representantes, não significa que a questão não devesse ser cobrada a partir de evidências claras e verificáveis. Os vídeos da Operação Prato, por exemplo, foram mencionados apenas de passagem pelo ufólogo Fernando Ramalho. Oficialmente negados pela Força Aérea Brasileira, sua existência não está mais corroborada apenas no testemunho do falecido Coronel Uyrangê Hollanda, comandante da operação. Um trecho de um desses vídeos já foi até mesmo reconstituído por um grupo totalmente independente de jornalistas investigativos, a partir de cópias de fotogramas em posse de familiares de um dos militares participantes da operação.

Em meio a todo esse complexo cenário, há questões práticas que continuam fora do radar: os riscos à aviação civil, impactos potenciais à saúde pública e implicações diretas para a segurança nacional. E não, não se tratam aqui de supostas bactérias de um suposto ET de Varginha. Mas de incursões fartamente documentadas de objetos aéreos desconhecidos na região de Colares, em 1977; em maio de 1986, no Sudeste; e, mais recentemente, nos ataques a indígenas no Acre, a partir de 2014. São pontos que deveriam ser eixos centrais do debate no Congresso, mas ainda ficaram à sombra dos ataques às especulativas teorias expostas por alguns pesquisadores participantes em seus artigos para a internet, vídeos no YouTube e redes sociais, ou publicações ufológicas.

A audiência, portanto, foi um marco — mas também um espelho. Mostrou que a Ufologia brasileira precisa se preparar melhor para esse embate. Precisa reconhecer claramente seus exageros na abordagem para as redes sociais, em busca de audiência e likes, para reorganizar seu discurso. Também precisa superar suas disputas internas e reduzir o debate a um denominador comum: há algo acontecendo, registrado em sensores e testemunhado em diferentes partes do mundo, inclusive no Brasil, e ninguém sabe realmente o que é.

A partir daí, sim, cabe, com astúcia e inteligência — e provavelmente longe dos holofotes — cobrar transparência de instituições militares, aprofundar investigações sobre possíveis interferências estrangeiras e discutir, com base em dados e apoio científico de fato, os riscos à sociedade. Enquanto a Ufologia insistir em misturar crença com ciência, seguirá tropeçando em saias justas. O Congresso abriu a porta: agora é a vez de a Ufologia mostrar que pode atravessá-la com seriedade, método e credibilidade.

Se a Ufologia brasileira quiser ocupar espaço legítimo no debate público, precisa investir em três frentes essenciais: profissionalizar sua produção, adotando padrões mínimos de método científico; buscar diálogo interdisciplinar com áreas como astronomia, história, sociologia e ciência política; e, sobretudo, abandonar a tentação de transformar cada relato em espetáculo para redes sociais. Só assim poderá construir credibilidade junto à academia, ao Estado e à sociedade, deixando de ser vista como curiosidade de nicho para se tornar, de fato, um campo de investigação relevante.

 

Jeferson Martinho

Jornalista, o autor é empresário de comunicação, dono de agência de marketing digital e assessoria de imprensa, publisher de um portal de notícias regionais na Grande São Paulo, fundador e editor do Portal Vigília. Apaixonado por Ufologia de um ponto de vista científico, é autor do livro "Nem Todo OVNI é Extraterrestre - Um guia para entusiastas da ufologia que não querem ser iludidos", disponível na Amazon.

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