Justiça Federal mantém segredo para vídeos de óvnis da Operação Prato

Uma sentença do Juizado Especial Cível da Justiça Federal (JEC) de Florianópolis (SC), em ação com base na Lei de Liberdade de Informação (LAI), arrisca colocar uma pedra sobre os vídeos que teriam sido coletados na Operação Prato e, dependendo da interpretação, subir um muro de sigilo eterno sobre um dos mais documentados casos da Ufologia brasileira.
Embora a decisão tenha sido considerada absurda pela comunidade ufológica, no entanto, talvez essa interpretação fatalista não surta efeito na prática, já que não existe, na legislação brasileira, previsão de manter a classificação sigilosa de documentos indefinidamente.
Realizada pela Força Aérea Brasileira (FAB) entre 1977 e 1978 na região de Colares, no Pará, a Operação Prato foi uma missão com o objetivo de investigar o fenômeno dos objetos voadores não identificados (óvnis) na região amazônica. Durante a operação, foram registrados diversos avistamentos de luzes e naves estranhas, que chegaram a atacar os moradores locais com raios luminosos.

Essa foi uma das mais intrigantes e misteriosas investigações militares sobre o fenômeno dos objetos voadores não identificados no Brasil e no mundo, comandada pelo então capitão Uyrangê Bolivar Soares Nogueira de Hollanda Lima. Ele liderou uma equipe de agentes de inteligência e médicos militares do I Comando Aéreo Regional (Comar 1), sediado em Belém. Durante dois meses, os militares coletaram depoimentos de testemunhas, examinaram vítimas, fotografaram e filmaram os supostos óvnis que sobrevoavam a área.
Os objetos observados tinham formas variadas, como discos, esferas, cilindros e triângulos, e emitiam raios luminosos que atingiam as pessoas, causando queimaduras, tonturas, náuseas e até paralisia. Os habitantes da região ficaram aterrorizados com os fenômenos, que ficaram conhecidos pelo nome de “chupa-chupa”. Muitos acreditavam que se tratava de uma invasão alienígena ou de uma praga enviada por Deus. Alguns chegaram a abandonar suas casas e se refugiar em igrejas ou quartéis. Outros relataram ter visto criaturas estranhas dentro dos óvnis.
Oficialmente a investigação foi encerrada abruptamente em dezembro de 1977, embora tenha aviso especulação de que outras equipes, além daquela comandada pelo capitão Hollanda, tivessem permanecido na região até meados de 1978.
Já coronel, Hollanda, que foi o principal responsável pela missão, morreu em 1997, dois meses depois de conceder uma entrevista à Revista UFO, na qual revelou detalhes impressionantes sobre suas experiências com os óvnis. Ele se suicidou em sua casa em Cabo Frio (RJ), enforcando-se com a corda do roupão. Sua morte gerou diversas teorias conspiratórias, como a de que ele teria sido assassinado por ter violado o sigilo militar ou que teria sido vítima de uma influência psíquica dos extraterrestres. Mesmo com intensa cobertura da mídia à época, nada a respeito foi confirmado.

Alguns documentos oficiais do episódio foram liberados parcialmente pela FAB ao longo dos anos 2000, através do Arquivo Nacional. Mas já havia diversas páginas do relatório final da Operação Prato vazadas e circulando na comunidade Ufológica bem antes disso. Além disso, já haviam se tornado públicos os incríveis fatos relatados em primeira mão do Coronel Hollanda. Esse compêndio revelou, sem deixar dúvidas, que os militares registraram centenas de fotografias e várias horas de filmagens dos chamados “corpos luminosos”, além de terem produzido cerca de 2 mil páginas de relatórios.
Decisão desconsiderou existência de vídeos da Operação Prato
Até hoje, no entanto, a documentação oficial da operação resumiu-se a um punhado de fotografias e centenas de páginas de relatórios, croquis e transcrições de entrevistas feitas pelos militares com os ribeirinhos que presenciaram os fenômenos. Desde a liberação de parte das informações, a FAB manteve-se em silêncio sepulcral acerca do destino de muitas fotos e, principalmente, dos vídeos captados inclusive com câmeras profissionais mencionados nos documentos originais desclassificados.
Agora, um advogado que tentou obter acesso a esses vídeos da investigação, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), teve seu pedido negado pela Justiça Federal de Santa Catarina. O processo de nº 5002417-48.2022.4.04.7200/SC correu em segredo de justiça. No entanto, o Portal Vigília teve acesso à decisão original contra a União e trechos do recurso apresentado pelo autor a seguir.

Na decisão original, mesmo mencionando que em certas circunstâncias previstas na LAI (Lei 12.527/2011, no artigo 7º) o acesso à informação não abrange “informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”, o juiz alegou que os fatos relevantes já foram tornados públicos com o envio dos documentos ao Arquivo Nacional e que, no processo, a FAB não teria se recusado a expor à comunidade as informações que estavam em seu poder.
Também alegou não haver provas dos tais vídeos requeridos pelo autor do processo, o que contradiz totalmente os fatos conhecidos da operação a partir dos documentos oficiais e do testemunho de seu antigo comandante.
Sigilo eterno: uma interpretação
O advogado autor da ação foi Rafael Zatarian Pederneiras. Ele entrou com o pedido de acesso aos filmes da Operação Prato em janeiro de 2022, com base na LAI, que garante o direito de qualquer cidadão solicitar e obter informações públicas aos órgãos do governo. Um segundo processo do advogado com a mesma argumentação foi apresentado à Justiça em relação ao Caso Varginha.
Segundo a legislação brasileira, o tempo máximo de sigilo para quaisquer documentos oficiais classificados é de 25 anos, mesmo que casos específicos envolvendo temas de segurança nacional possam ter esse prazo estendido em circunstâncias especiais, porém não indefinidamente.

Após a sentença desfavorável, o autor chegou a apresentar recurso contestando a decisão. Dessa vez, julgando o recurso, a Justiça Federal aparentemente considerou apenas o argumento do desrespeito à LAI e novamente ignorou o conhecimento público da existência dos vídeos. O magistrado argumentou que houve um grande número de pedidos de informações sobre óvnis e que a Força Aérea Brasileira (FAB) disponibilizou um link exclusivo para este assunto através do Arquivo Nacional, além de mencionar que há muitos registros de avistamentos no repositório público.
A decisão concluiu que não há provas nos autos de que a ré (a União) esteja violando a Lei de Acesso à Informação e confirmou a sentença recorrida, negando provimento ao recurso.
Obstáculo para novas ações judiciais?
De fato, a decisão do Juizado Especial de Santa Catarina ignorou os relatos e relatórios sobre a pré-existência dos vídeos obtidos pela FAB, que nunca foram desclassificados. Ao invés disso, levantou dúvida sobre a informação da existência dos vídeos e concentrou-se no argumento do cumprimento da LAI, reproduzindo a linha argumentativa da defesa da FAB, que apresentou o histórico da liberação de fotos e páginas impressas através do Arquivo Nacional.
Algumas interpretações chegaram a ponderar que esse argumento ergueria sobre os vídeos da Operação Prato um sigilo permanente ou “eterno”. De fato, pode representar um obstáculo inclusive para novas ações. No entanto, advogados consultados pelo Portal Vigília garantem que a decisão no Juizado Especial Cível (JEC) dificilmente será suficiente para criar uma jurisprudência sólida, ou seja, tornar-se decisão padrão para novas ações.
Essa, ao menos, é uma boa notícia para a comunidade Ufológica. Até mesmo para o próprio advogado Rafael Pederneiras, que entrou com um processo similar, na mesma época, buscando desclassificar quaisquer documentos confidenciais em posse do Exército Brasileiro sobre os acontecimentos que acabariam por se transformar no famoso Caso Varginha. Ocorrido na cidade homônima no Sul de Minas, em janeiro de 1996, esse é outro emblemático evento da ufologia nacional e mundial.
Afinal, onde estão os vídeos da Operação Prato?
A bronca da comunidade ufológica brasileira com a Força Aérea Brasileira na questão dos vídeos da Operação Prato não é nova. Em 2005, uma comissão de pesquisadores da chamada Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) foi recebida pela FAB em Brasília como parte da campanha “UFOs: Liberdade de Informação Já”, liderada pela Revista UFO. Na época, a grande vitória para a ufologia foi o reconhecimento oficial da existência da Operação Prato e o estabelecimento de um canal de comunicação direta entre os ufólogos e as forças armadas.
Só depois de mais de 7 anos, em 2013, cerca de dois anos após a promulgação da LAI, a CBU conseguiu concretizar um encontro com representantes do Ministério da Defesa onde tentou-se estabelecer um caminho legal e oficial de liberação de informações. Na ocasião, o diretor do Departamento de Organização e Legislação do Ministério da Defesa, Adriano Portella, disse que o governo estava comprometido com a liberação de informações.
“A lei determina o prazo de dois anos, a partir de sua vigência, para a revisão das informações classificadas como secretas e ultrassecretas”, explicou Portella. “Esse trabalho já está sendo feito, e os documentos serão desclassificados dentro do prazo legal”.
Desde então, a posição oficial da FAB para questionamentos relativos aos vídeos da Operação Prato é de que eles simplesmente não existem e que todo o material disponível seguiu para o Arquivo Nacional. Mesmo que a documentação oficial trate deles e que a comunidade ufológica saiba, graças ao depoimento de Uyrangê Hollanda, até os nomes dos cinegrafistas.
Entre os ufólogos, inclusive, existe a suspeita de que as filmagens tenham sido de fato perdidas por armazenamento inadequado ou até mesmo fornecidas a autoridades estrangeiras. O pesquisador Rony Vernet comentou o assunto em sua conta no Twitter.
“A posição oficial da Força Aérea Brasileira é de que os vídeos da operação prato não existem em seu acervo. Logo, não faz sentido em se falar em “sigilo eterno” sobre esse material. Eu não tenho dúvidas de que esses vídeos já existiram e foram destruídos ou cedidos a terceiros”, disse.
— Rony Vernet 🇧🇷 (@RonyVernet) April 20, 2023
“Cedidos a terceiros”, no caso, seria um eufemismo para troca de material em algum acordo de cooperação tecnológica ou militar com os Estados Unidos, claro. É pura especulação, de fato, mas a considerar os diversos testemunhos que indicam a presença de militares estrangeiros em outros episódios, como o próprio Caso Varginha, provavelmente nada se pode simplesmente descartar.