O chupa-chupa e as estranhas mortes na Ilha do Caranguejo

Na história da Ufologia, há um episódio ocorrido na Ilha do Caranguejo que aparentemente deu origem à fama mundial do fenômeno brasileiro que ficou conhecido como chupa-chupa. Trata-se de um caso cheio de mistério, que tem de tudo, menos UFOs, OVNIs ou qualquer coisa extraterrestre. Mesmo assim trata de uma morte inexplicável, trabalhadores feridos e com amnésia, lapso de tempo, muitos investigadores envolvidos, incluindo médicos, autoridades, e até hoje nenhuma explicação plausível.
O episódio é tão importante que tem grande parcela de responsabilidade na criação da Operação Prato, uma das mais bem documentadas pesquisas militares sobre OVNIs em todo o mundo. Bastante conhecida na história da ufologia no Brasil e do planeta, a Operação Prato foi realizada pelo I Comando Aéreo Regional da Aeronáutica (1º Comar) no Pará, na região de Colares, no final de 1977, liderada pelo então capitão Uyrangê Bolívar Soares Nogueira de Hollanda (já coronel, pouco antes de cometer suicídio, Uyrangê Hollanda veio a público contar essa história).
Bem antes de novembro de 77, quando oficialmente teve início a Operação Prato, o chamado chupa-chupa começava a se transformar num medo coletivo das populações de municípios maranhenses como Pinheiro, Cajapió, São Vicente e São Bento, onde os moradores relatavam terem sido atacados pelo que estava sendo chamado de “foco luminoso” e “luz dos mistérios”.
Naquele momento, no entanto, início do primeiro semestre de 1977, a onda ainda era mais comumente associada a um fenômeno fantasmagórico ou demoníaco. Segundo o autor Hélio Amado Rodrigues Aniceto, na sua fantástica obra “Corpos Luminosos, uma operação militar em busca de respostas”, sequer havia ainda uma correlação entre luzes nos céus e o conceito de “sangue chupado” das vítimas, pelo qual o chupa-chupa viria a ser conhecido. (Aniceto detalha em sua obra, de forma absolutamente completa e ímpar, toda a Operação Prato, a partir da catalogação sistemática e contextualizada de documentos, imagens e reportagens de época. Também é co-autor do site Operação Prato, uma iniciativa digital para entender e divulgar a operação militar).
É bastante singular que, apesar dos boatos de centenas de ataques a moradores e ribeirinhos de cidades na divisa entre Pará e Maranhão, não existam mais que meia dezena deles efetivamente documentados. Exatamente: menos de uma dezena. A médica Wellaide Cecim Carvalho, à época com 22 anos, ficou conhecida pelo atendimento à maioria da vítimas. Ela é notícia de forma recorrente na imprensa, e reportagens ainda mencionam “numerosas vítimas”; em alguns casos, centenas.
A médica conta que chegou a ser ameaçada pelos militares para que fizesse as testemunhas acreditarem terem sido vítimas de histeria coletiva, mas aparentemente essa versão não encontra respaldo nem na documentação da Operação Prato, nem nos relatos locais e tão pouco nos depoimentos conhecidos do falecido coronel Uyrangê Hollanda.
O emblemático episódio da Ilha do Caranguejo
Dos poucos casos do chupa-chupa realmente documentados, um deles — provavelmente o mais incrível e grave — foi o que viria a se tornar conhecido pela notícia veiculada pelo jornal O Liberal, de Belém, em 14 de julho de 1977. Era o caso da morte na Ilha do Caranguejo. José Souza (22) e mais três homens, seus irmãos Apolinário (31), Firmino (38), e o primo Auleriano Alves (36), foram de São Luis do Maranhão à Ilha do Caranguejo, 25 km ao sul, na Baía de São Marcos, em um barco velho e castigado pelo tempo. Chegaram no início da tarde e ancoraram em um riacho já dentro da ilha. Passaram o resto da tarde cortando árvores finas e podando os galhos.
O corte, transporte e venda de caibros a partir da Ilha do Caranguejo era um negócio recorrente da família. Exceto para Firmino, que naquele dia pediu para ir junto para buscar caibros para uma construção própria. O local é isolado, pantanoso e deserto, infestado por mosquitos e coberto de arbustos e árvores. Terminaram o trabalho por volta das 18 horas, quando o sol já começava a se pôr, e fizeram uma refeição de carne e arroz.
A maré estava baixa e o barco ficou atolado na lama do riacho vazio. Mas eles já planejavam que fosse assim, como sempre. Ficaram de papo até às 20 horas e foram dormir dentro do barco, cobrindo a escotilha com um pedaço de lona para impedir a entrada de mosquitos. Dormiriam até que a maré voltasse a subir, por volta de meia-noite. O balanço e o barulho os acordaria, eles colocariam os troncos no barco e seguiriam viagem à cidade.
O chupa-chupa e a viagem insólita
Mas aquela viagem seria assustadoramente diferente para aqueles homens. Quando acordaram, já às 5 horas da manhã, José estava morto; Firmino e Auleriano seriamente machucados, com queimaduras graves. Apenas Apolinário continuava sem qualquer aranhão. E nenhum dos sobreviventes lembrava-se de qualquer coisa desde a hora que foram dormir.
Apolinário havia dormido em um tapete na cabine. Despertou ouvindo os gritos de socorro de Auleriano, na frente do barco. Ele ficou confuso, porque Auleriano tinha ido dormir em uma rede na parte de trás do do barco, pouco mais de um metro atrás do tapete onde dormira o próprio Apolinário. Ele então agachou-se sob a outra rede, onde achou que dormia José, e retirou a lona que cobria a escotilha.
Sem entender muito bem porque já havia luz do dia, viu Auleriano deitado com água em volta. Ele então foi em seu socorro e ajudou-o a ir até o tombadilho. Foi então que percebeu que ele estava queimado nas costas, nas duas omoplatas.
Auleriano baixou o calção e notou que tinha queimaduras também nas nádegas, do lado esquerdo. O tecido do calção, no entanto, não apresentava qualquer alteração. Apolinário começou a fazer um chá para Auleriano, mas ouviu gemidos na parte de trás do barco. Então desceu à cabine e agachou-se novamente sob a rede de José. Foi então que viu Firmino deitado no chão, contorcendo-se de dor, debaixo da rede onde Auleriano deveria ter dormido.
Foi outro choque, porque Firmino tinha ido dormir na parte da frente do barco, justamente onde tinha Auleriano fora encontrado. Apolinário então virou-se para a rede de José, na esperança de pedir ajuda, mas assim que o tocou percebeu que o primo mais novo estava morto. Seu corpo estava frio e enrijecendo rapidamente, com uma das pernas pendurada para fora da rede.
![O chupa-chupa e as estranhas mortes na Ilha do Caranguejo 2 Firmino, já recuperado, mostrando a cicatriz adquirida na experiência. [Foto Bob Pratt]](https://vigilia.com.br/wp-content/uploads/2020/05/Firmino-já-recuperado-mostrando-a-cicatriz-adquirida-na-experiência.-Fotos-Bob-Pratt.jpg)
O difícil retorno a São Luiz
Não havia remédios nem estojo de primeiros socorros a bordo e cabia agora ao franzino Apolinário, magro e com cerca de 1,50m altura, a difícil tarefa de conduzir o barco de volta a São Luiz. Era um trabalho que normalmente precisaria de pelo menos três homens para cuidar do leme e das velas ao mesmo tempo. Para complicar, ele ainda teria que aguardar mais 8 horas para poder sair da Ilha do Caranguejo, até a maré subir novamente.
Já era quase início da noite quando chegaram ao pequeno Porto de Itaqui, perto de São Luis. Só havia dois guardas de segurança, que não puderam ajudá-los. Apolinário ainda teve que andar 10 km até São Luis para chegar à polícia e contar o que tinha acontecido, para só então ir até sua casa para chamar seu irmão mais velho, Pedro, para ajudá-lo a levar Firmino a um hospital. E isso só aconteceu por volta das 21 horas, quando voltaram ao barco, agora de carro.
Enquanto isso, mesmo com muita dor, Auleriano ficou junto ao corpo de José até a chegada da polícia, o que só aconteceu à 1 hora da manhã. O corpo foi imediatamente levado ao Instituto Médico Legal e só então Auleriano foi a um hospital para ser tratado. Suas queimaduras deixariam marcas, mas ele acabou sendo liberado algumas horas depois.
O mistério persiste: nenhuma evidência
Firmino ficou em coma por uma semana. Seu tempo de internação total, entre o coma e a alta, foi de mais de um mês. Sofreu muitas queimaduras de segundo grau. As piores estavam do lado esquerdo das costelas, na parte interior do braço esquerdo e na testa. Seus dedos da mão esquerda ficaram permanentemente torcidos para dentro, quase sem nenhuma mobilidade.
O avançado estágio de decomposição do corpo de José, devido ao calor da região, inviabilizou uma autópsia. O médico que o examinou no Instituto Médico Legal (IML) registrou no relatório que não havia queimaduras, marcas, cortes ou hematomas no corpo. Seu atestado de óbito declarava que om rapaz tinha sofrido um AVC (acidente vascular cerebral) “causado por hipertensão arterial, como consequência de um choque emocional”.
Espalha-se o medo do chupa-chupa e sua ligação com OVNIs
Investigadores da polícia local examinaram o barco e a área onde ele ficou ancorado na ilha. Falaram com conhecidos das testemunhas e formularam teorias das mais diversas. Nada indicava que pudessem ter mentido, consumido álcool ou drogas. Em nenhum momento eles mencionaram luzes nos céu, UFO, ou qualquer coisa similar.
Médicos que examinaram os sobreviventes cogitaram a possibilidade de eles terem sido atingidos por um raio. Explicaria as queimaduras, mas deixava a dúvida quanto ao short de Auleriano, ao fato de Apolinário não ter sofrido nada, além dos lugares trocados em que acordaram. Sem falar na amnésia coletiva.
Mas era fato que a região vivia, naqueles dias, um período de intensos relatos de avistamentos de OVNIs. Assim, somado talvez a um destalhe numa fala de Firmino ainda inconsciente no hospital — ele falou “um fogo”, sem contexto — assim que tomou conhecimento da história, por conta própria a imprensa de São Luiz cravou que os rapazes tinham sido vítimas de um OVNI.
Pouco mais de um ano depois do episódio, a ocorrência chegou ao conhecimento do pesquisador norte-americano Bob Pratt (1928 – 2005), que pesquisou este e outros relatos in loco. O material que colheu no Brasil transformou-se no livro “Perigo Alienígena no Brasil – Perseguições, Terror e Morte no Nordeste” (Horus House Press, 1996 na edição original, em inglês; Biblioteca UFO, 2003, na edição brasileira). Já estava praticamente encerrada a fase de pesquisa de campo da Operação Prato, mas mesmo assim Pratt chegou a conhecer o então capitão Uyrangê Hollanda, de quem viria a tornar-se amigo e até trocar impressões sobre o fenômeno UFO.
Caso estranhamente semelhante, sem chupa-chupa
Foi também Bob Pratt quem notabilizou outro caso bizarramente similar anos depois, na mesma Ilha do Caranguejo. Desta vez nenhuma operação secreta foi deflagrada, no entanto. Mas novamente, em abril de 1986, quatro homens foram à ilha num barco semelhante, também para pegar madeira. Trabalharam dois dias cortando mais de 300 troncos e empilhando próximos ao barco.
Planejando o retorno, na véspera à tarde, pararam de trabalhar às 18 horas. Um deles, Juvêncio (22 anos), começou a cozinhar. Neste momento Veríssimo (21), disse que não se sentia bem e pediu alho a Juvêncio para esfregar nos braços, achando que isso o faria sentir-se melhor. Foi então que Juvêncio ficou tonto e desmaiou no tombadilho. Quase ao mesmo tempo, os outros dois homens, Anselmo e Lázaro, ambos com cerca 40 anos, também desmaiaram.
Lázaro foi o primeiro a acordar, ao meio-dia do dia seguinte. Encontrou Veríssimo morto, estendido no tombadilho. Anselmo acordou duas horas mais tarde e Juvêncio voltou a si quase 24 horas depois de ter desmaiado. Anselmo e Lázaro ainda tentaram colocar a madeira no barco, mas desistiram após terem carregado não mais que uns trinta mastros.
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Exatamente como no caso de 1977, nenhum dos três sobreviventes sabe o que aconteceu naquela noite, na Ilha do Caranguejo, exceto que todos sentiram tontura e desmaiaram. Mas também não tinham quaisquer outras marcas ou queimaduras. Tudo que lembraram foi ter ouvido ouvido um forte estrondo no mato, em algum lugar perto do barco, sem qualquer indicação do que poderia ser. E a essa altura, o medo do chupa-chupa já havia ficado no passado.
Veja mais informações também em: Portal Fenomenum, Operação Prato, O Liberal, e Via Fanzine.