Satélite abandonado emite sinais misteriosos no espaço

Em um acontecimento que capturou a atenção da imprensa especializada e da comunidade científica, um satélite desativado da NASA, o Relay 2, surpreendeu astrônomos ao emitir um sinal de rádio inusitado e extremamente potente em 13 de junho de 2024. A detecção foi realizada pelo radiotelescópio australiano ASKAP, que captou uma explosão rápida de rádio (FRB) entre 695,5 e 1031,5 megahertz. Este evento se destacou por ter sido gerado por uma máquina feita pelo ser humano, diferente da maioria dos sinais FRB que provêm do espaço profundo e têm origem natural.
O sinal, incrivelmente curto e forte, durou apenas cerca de 30 nanossegundos, tornando-o aproximadamente 30 vezes mais rápido do que qualquer FRB já observada até então. Embora a princípio houvesse a suposição de que o sinal pudesse vir da Via Láctea, análises posteriores revelaram que sua origem estava muito mais próxima, provavelmente a menos de 20.000 quilômetros da Terra. A equipe liderada pelo astrônomo Clancy James conseguiu rastrear o sinal até o Relay 2, um satélite lançado em 1964 e desativado em 1967, que ainda orbita o planeta em altitudes elevadas.
Explosões rápidas de rádio são fenômenos astronômicos conhecidos por sua natureza ainda misteriosa e pelo poder colossal de energia que liberam em frações de segundo. Embora apareçam no espectro das ondas de rádio, sua potência costuma ser comparada à luminosidade de 500 milhões de sóis. Desde 2007, centenas desses eventos foram confirmados, e mais são descobertos diariamente, mantendo o tema como um grande mistério para os radioastrônomos.

A análise preliminar sugeria que o sinal anômalo vinha da Via Láctea, mas a dificuldade do sistema ASKAP em focar o sinal com todas as suas 36 antenas indicou que ele estava vindo de muito mais perto. Com análises de melhor ajuste e avaliação dos atrasos de tempo do campo próximo, os pesquisadores determinaram que a origem estava a menos de 20.000 km da Terra, ou seja, na nossa órbita.
O que fazia o satélite desativado Relay-2?
O satélite identificado foi o Relay 2, um sistema de comunicação lançado em 1964 e que parou de funcionar em 1967. Tanto ele quanto seu predecessor, o Relay 1, foram satélites experimentais cruciais no início da corrida espacial, visando estabelecer a comunicação por rádio com a Terra. O Relay 1, inclusive, realizou a primeira transmissão de TV através do oceano, veiculando notícias sobre o assassinato de JFK para o Japão e, meses depois, as Olimpíadas de Tóquio, provando o conceito de comunicação via satélite que hoje damos como certo em serviços como telefonia móvel. A detecção de um sinal do Relay 2 após décadas de inatividade o tornou um “mistério bizarro” por meses.
Diante da natureza inesperada do sinal, a equipe de pesquisadores descartou a possibilidade de que ele fosse um simples reflexo solar, uma confusão que já ocorreu em casos anteriores, como uma explosão de raios gama que, na verdade, era luz solar refletida em um estágio de foguete. Duas explicações foram propostas para a emissão: uma colisão com um micrometeorito ou uma descarga eletrostática. Embora ambas sejam plausíveis e resultariam em emissões semelhantes, a descarga eletrostática é considerada a hipótese mais provável.
Anton Petrov, divulgador científico e especialista em física e astronomia, falou sobre o caso em seu canal do YouTube, explicando que a descarga eletrostática é um evento conhecido em satélites que acumulam carga elétrica ao se moverem pelo campo magnético da Terra. Isso resulta em “um flash tipo faísca descarregando repentinamente uma voltagem muito alta e, assim, produzindo emissões de rádio semelhantes a uma explosão de rádio”. Esse fenômeno já foi observado antes, como em 2017, quando o telescópio de Arecibo detectou sinais análogos vindos de um satélite GPS.
Apesar de não ter sido possível identificar um gatilho específico para o evento do Relay 2 e eventos desse tipo sejam raros, saber exatamente como e porque ocorrem é crucial para a astronomia e indústria aeroespacial Em alguns casos, essas descargas podem causar muitos danos aos satélites e naves espaciais. Petrov cita o exemplo do satélite Galaxy 15, que “potencialmente falhou em 2010 devido à degradação gradual de painéis solares como resultado dessas descargas muito bizarras”. O Galaxy 15, inclusive, passou a ser considerado um “satélite zumbi” por não obedecer comandos e continuar transmitindo sinais, o que causou interferência em outras transmissões de dados no espaço.
Casos semelhantes de satélites “zumbis”
A história do Relay 2 não é um caso isolado de satélites desativados que surpreendem ao reaparecer com sinais. Um exemplo notável é o do satélite LES-1 (“Lincoln Experimental Satellite 1”), que também ganhou a alcunha de “satélite zumbi”. Lançado pela NASA em 1967, como parte de um programa militar do MIT, o LES-1 apresentou uma falha crítica em seu lançamento, o que resultou em sua inutilização e na perda de comunicação com a Terra, tornando-o essencialmente lixo espacial.

Contrariando as expectativas da NASA, que o considerava um pedaço inútil de ferro, o LES-1 começou a emitir “barulhos” e “sons fantasmagóricos” em 2013, quase 50 anos depois! O sinal original foi identificado pelo astrônomo amador Phil Williams, de North Cornwall, no Reino Unido. Sem entender o que tinha ocorrido, ele enviou seus dados para o MIT, que confirmou a transmissão do satélite abandonado. Essa ocorrência foi particularmente curiosa, ainda mais considerando que satélites geralmente têm uma vida útil de algo entre 15 a 20 anos.
A explicação para a reativação do LES-1, embora igualmente misteriosa inicialmente, não envolveu extraterrestres: o satélite, apesar de ter suas baterias desintegradas no lançamento, era equipado com painéis solares. Os cientistas do MIT concluíram que os sinais eram emitidos quando os painéis captavam energia do Sol e recarregavam a máquina. A capacidade do LES-1 de produzir sinais após décadas de silêncio na órbita terrestre é um testemunho da resiliência da tecnologia espacial.
Tanto o caso do LES-1 quanto o mais recente do Relay 2, além do Galaxy 15, mostram que antes de nos preocuparmos com algumas histórias da ficção científica que falam de alienígenas sequestrando ou invadindo nossas redes de dados através de nossos satélites, nossas preocupações precisam focar nos problemas urgentes que estão se tornando o acúmulo de lixo espacial e os fenômenos inesperados que podem ocorrer com objetos abandonados em órbita.