Jacques Vallée estuda amostras mas diz ainda não saber o que são os óvnis
Depois de seis décadas de pesquisa sobre o fenômeno UFO, o cientista francês Jacques Vallée – um dos poucos acadêmicos com coragem para se debruçar seriamente sobre a questão – só tem a certeza de que a verdade está muito, muito lá fora.
Em um extenso artigo publicado no site Wired, Chantel Tatolli procurou explorar e traduzir para os leitores a perspectiva controversa de um cientista que há décadas resolveu tratar seriamente o tema Ufologia, sendo autor de dezenas de livros e artigos abordando a respeito do assunto.
Durante um almoço em Council Bluffs (Iowa) no verão de 2018, Jacques Vallée explicava a Max Platzer, colega pesquisador e engenheiro aeroespacial, e a mais dois homens, como aquele estranho metal, do tamanho de uma cebola pequena havia chegado em suas mãos. A história que ele contaria teria se iniciado na noite de um sábado frio, no ano de 1977.
No final de 1977, bombeiros e policiais responderam a ligações sobre um objeto arredondado e avermelhado com luzes piscando que pairava acima das copas das árvores em um parque público. O objeto teria despejado uma massa brilhante no chão. Quando os investigadores chegaram ao local, encontraram uma poça de metal de 4 por 6 pés, derretida como lava, que incendiou a grama ao redor antes de esfriar. Ao todo, 11 pessoas de quatro grupos separados deram relatos semelhantes sobre o incidente.
Diante deles agora, uma parte dessa poça estava disposta na mesa. Vallée dizia que o mistério era de onde aquele material haveria vindo, originalmente. Submetido a análises, o pedaço de metal consistia em uma liga formada principalmente por ferro, com traços de carbono, titânio e outros elementos. Era basicamente uma liga de aço que parecia ter sido misturada ao que parecia ser ferro fundido. Aquilo não poderia ter sido forjado por um satélite ou avião, segundo o pesquisador, que apontava ainda que o material não possuía níquel o suficiente para ser um pedaço de meteorito.
Vallée não acreditava que poderia ter sido forjado por um fraudador. A produção exigiria um forno de fundição e um meio de levar o metal derretido até o lugar onde fora encontrado. Um material conhecido como Thermite era uma possibilidade que poderia validar a origem daquela estranha liga, mas ele precisaria ter sido mergulhado em água congelada para assumir a mesma forma. Mas onde a massa sólida foi encontrada não havia sinais de gelo ou de água.
Acreditando que a investigação sobre o material necessitava de uma análise mais apurada, Vallée convidou à mesa Garry Nolan, um conceituado professor de patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford.
Nolan possuía técnicas capazes de analisar células cancerígenas e imunológicas, e esses procedimentos também seriam capazes de analisar materiais inorgânicos. A ideia de Vallée era de que a técnica empregada por seu amigo patologista poderia analisar uma amostra do material “ufológico”, analise essa que poderia ser aprofundada até o nível subatômico, relevando possivelmente as variantes e isótopos dos materiais que continha. O resultado poderia fornecer pistas de onde o material realmente havia sido fabricado: em algum forno na Terra, ou de outro lugar, e também qual seria seu real propósito.
Platzer estava diante de duas pessoas de reputações impecáveis das quais não tinha dúvida alguma quanto às posições e cargos que ocupavam. Mas, para ele, o assunto ainda não passava de “histórias” e mito. Platzer se considerava neutro em relação aos óvnis. “É preciso ter muito cuidado ao dizer que certas coisas são impossíveis, porque se tornaram possíveis”, ele disse ao autor do artigo.
Mas Platzer sentiu que a experimentação sólida estava em ordem. E ele concordou em publicar a pesquisa de Nolan e Vallée, desde que passasse na revisão por pares. “Está na hora”, disse ele.
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Vallée, que já possuía cabelos brancos, além de uma mente excepcional, carregava em seu currículo o fato de ter sido cientista da NASA, chegando a mapear Marte, criar um banco eletrônico para pacientes com transplantes cardíacos, ter trabalhado na antecessora da Internet como a conhecemos hoje, a Arpanet. Desenvolveu softwares de rede, adotados pela Biblioteca Britânica, a Agência de Segurança Nacional dos EUA e 72 usinas nucleares em todo o mundo. O pesquisador também aplicou mais de US$ 100 milhões em investimentos de alta tecnologia, como investidor de risco.
Depois de discorrer sobre a trajetória, os livros e artigos de caráter científico de Vallée ao longo da vida, Tatolli faz a ressalva de que o cientista ainda considera o trabalho com a Ufologia como um hobby e se esquiva dos pseudo-arqueólogos, vigaristas credenciados e amantes da conspiração que tendem a povoar o campo.
Cauteloso, para ele o fenômeno representa uma fronteira científica e social. Ao estudá-lo, você deve aproveitar os números, os bancos de dados, os algoritmos de busca de padrões — mas também deve ter uma veia etnográfica, um interesse em como a cultura molda a compreensão.
Você tem que se esforçar, em outras palavras, para pesar dados físicos e materiais, apesar do cenário moderno “onde o departamento de física fica em uma extremidade do campus e o departamento de psicologia na outra extremidade”, como define o cientista.
Vallée gosta de brincar que é o único ufólogo que não sabe o que são óvnis. Ele duvida que sejam SUVs interestelares (Veículos Utilitários Esportivos) – e conta que ficaria muito desapontado se realmente fossem.
A verdade, ele acredita, é quase certamente mais esquisita do que isso, mais desconcertante e mais reveladora da natureza do universo.
Quando jovem, Vallée foi para a Sorbonne estudar matemática quando teve contato com um livro chamado Mystérieux Objets Célestes (Objetos Celestes Misteriosos), do filósofo Aimé Michel. Célestes apresentou a primeira hipótese testável na área da ufologia. De acordo com Michel, se você desenhasse todos os avistamentos de 1954 em um mapa, descobriria que eles faziam linhas retas cruzando o país. Ele chamou o padrão de “ortotenia”.
Deslumbrado ao ver uma teoria adequada, Vallée enviou uma carta ao autor. O adolescente questionou se os humanos poderiam se comunicar com essas inteligências ocultas, que Michel chamou de “X”. Em sua resposta, Michel disse que não tinha muita esperança disso. Ele lembrou Vallée que testemunhas viram naves aparecerem do nada e mudarem de forma em frações de segundos. Como alguém poderia entender visões como essa? “Não se deixe enganar pela ideia de ‘chegar ao fundo das coisas’”, ele pediu. “Isso é apenas uma miragem”. Vallée deveria então, em vez disso, cultivar sua mente como se fosse uma flor – embora também deva lembrar que “a papoula é uma flor” e não se perder em noções inebriantes. Ele seguiu o conselho de Aimé Michel.
Também conheceu e fez trabalhos em parceria com J. Allen Hynek, presidente do departamento de astronomia da Northwestern University, que foi conselheiro científico do Projeto Blue Book. Vallée, com apenas 24 anos, serviria como um ajudante de campo não oficial de Hynek.
O francês sempre defendeu que as descobertas científicas surgem lentamente, após um estudo metódico. E mesmo num cenário em que a ufologia foi cientificamente desacreditada, sobretudo após o Relatório Condon), encarou os óvnis sob uma perspectiva além de porcas e parafusos. O fenômeno mexia com psiques das pessoas.
Qualquer que seja a tecnologia, Vallée acredita que os humanos a contemplam há milênios, tanto como fato empírico quanto como mito trêmulo. E começou a colecionar as referências culturais para provar isso. Com a ajuda dos livreiros de Paris, ele adquiriu uma biblioteca de textos esotéricos e criou um catálogo de avistamentos de óvnis que remontam aos tempos pré-modernos. Foi sua fonte de consulta para sua obra o “Passaporte para Magonia”.
Em outra obra, o livro Colégio Invisível, de 1975, o cientista levantou a hipótese de que o fenômeno é um sistema de controle, puxando as delicadas alavancas da imaginação humana – reprogramando nosso software, na verdade.
Para qual finalidade? Vallée não podia dizer. Para ele, o absurdo é uma característica essencial do fenômeno. Ela cansa a mente racional porque a mente racional não pode conhecê-la. Como ele disse ao autor do artigo recentemente, às vezes o fenômeno se comporta como um golfinho: brinca conosco. “É muito mais inteligente do que nós, e usa o humor em outro nível”, disse ele.
Depois da reunião com Platzer, Vallée e Nolan levaram três anos para concluir, redigir, editar e preparar o estudo do Council Bluffs para revisão por pares. Constatou-se de que era feito de elementos isotopicamente comuns, misturados atipicamente. O artigo Progress in Aerospace Sciences, publicado em dezembro de 2021, nunca teve a intenção de ser “um avanço sobre o que são os óvnis”, disse Vallée. É “um modelo”, disse explicou Vallée, “para o que a pesquisa séria de óvnis poderia ser no futuro, se seguirmos as regras”. Ele e Nolan estão agora estudando amostras para possíveis trabalhos de acompanhamento. “Você tem que abrir a porta primeiro, antes de poder trazer os pacotes”, disse ele.
Confira o artigo original completo de Chantel Tatolli no site da Wire.
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