“Tic Tac” em Marte? Tamanho expõe erro no paralelo com famoso UAP da Marinha dos EUA

Uma nova onda de especulação sobre a existência de objetos voadores não identificados (OVNIs), ou, no termo mais recente popularizado nos Estados Unidos, fenômenos anômalos não identificados (UAPs), tomou conta da internet após a divulgação de uma imagem capturada pelo rover Curiosity da NASA em Marte. A fotografia, datada do Sol 2692 (3 de março de 2020), revela um objeto de formato alongado e superfície aparentemente lisa, pairando sobre o solo marciano e projetando uma sombra distintiva, o que levou muitos a compará-lo com o famoso caso do UAP “Tic Tac” avistado por pilotos da Marinha dos EUA.
Várias fontes afirmaram que existia uma imagem “colorizada”, com a típica coloração avermelhada das imagens captadas — e pós processadas — pelas sondas terrestres enviadas a Marte. Mas, segundo essas fontes, a foto teria sido “misteriosamente” retirada do site da NASA, restando apenas a foto original (sem processamento, ou RAW). E coincidentemente (ou convenientemente) foi a versão supostamente “removida” da foto que viralizou na Internet.
Apesar da história misteriosa e emblemática em torno da foto, a empolgação inicial rapidamente esbarrou em um problema crucial: o contexto da imagem e a provável dimensão do objeto, que tornam qualquer ligação com os avistamentos de um Tic Tac extraterrestre extremamente improvável.
Um vídeo do canal Drakenaire no YouTube e uma postagem no subreddit r/aliens foram alguns dos primeiros a divulgar a imagem, descrevendo o objeto como algo extraordinário e potencialmente um “artefato metálico e brilhante que está sobrevoando o horizonte de Marte”.
A semelhança visual com o UAP “Tic Tac” avistado por pilotos da Marinha dos EUA, descrito como um objeto “branco sólido, liso, sem arestas… uniformemente colorido, sem naceles, pilones ou asas”, com “formato de ovo alongado ou Tic Tac”, impulsionou a imaginação de entusiastas. A postagem no Reddit intitulada “Mars Rover captured a TicTac on camera SERIOUS” também gerou intensa discussão, com alguns usuários questionando se “rochas flutuam em Marte?” ao notar a sombra aparente.
A questão crucial da escala marciana
No entanto, é importante ressaltar que o rover Curiosity está no solo e não é um equipamento muito alto: apenas 2,2 metros. Lançado em 26 de fevereiro de 2011 e tendo pousado na cratera Gale em 6 de agosto de 2012, o explorador robótico que continua ativo é do tamanho de um carro pequeno ou SUV.

Isso fornece um contexto essencial para interpretar a imagem. Considerando a altura da câmera do rover em relação à superfície marciana, diversos comentários nas fontes apontam para a minúscula dimensão do objeto em questão. Um usuário no r/aliens menciona que “o objeto deve ser bem pequeno” já que “a câmera está a 7 pés do chão”.
Outro comentário, referindo-se a imagens posteriores que incluem o próprio rover para dar perspectiva, conclui que o objeto teria apenas “milímetros em tamanho”. Essa estimativa de tamanho, comparável à de uma bala ou até mesmo a um “Tic Tac de verdade, aqueles pequenos doces que vêm em uma caixa de plástico, 2 calorias por unidade, como poucos milímetros de tamanho…”, como sugere um usuário, desfaz qualquer paralela plausível com o UAP da Marinha dos EUA, que foi descrito como tendo o tamanho de uma aeronave.
A discrepância de escala é um ponto central levantado por muitos usuários céticos nas discussões online. “Essas pessoas estão olhando para um objeto que tem apenas milímetros de tamanho que não se move de sua posição estacionária”, apontou um usuário do Reddit.
A ideia de uma avançada tecnologia alienígena operando espaçonaves do tamanho de doces, embora teoricamente possível, parece altamente improvável e sem qualquer evidência concreta nas informações disponíveis. A afirmação de que “nós, como uma civilização de baixo nível, criamos máquinas muito menores” é utilizada por alguns para argumentar que o tamanho não descartaria uma origem não humana, mas essa linha de raciocínio ignora a vasta diferença de contexto e as observações diretas do caso do UAP “Tic Tac” terrestre.
Ceticismo e explicações prosaicas para o “mistério”
Tudo aponta no sentido de explicações mais prosaicas para o objeto marciano. A hipótese mais recorrente é que se trata de uma formação rochosa natural, possivelmente um “remanescente de erosão”, esculpida ao longo de milênios pela ação do vento marciano. Um geólogo identificado como GearTwunk no r/aliens explica que essa formação rochosa é criada por “milênios de jateamento de areia na atmosfera marciana” e que a aparente elevação e sombra podem ser resultado da forma como está “ligeiramente acima da superfície do planeta” e ainda “ligado à sua rocha hospedeira na parte direita da forma ovoide”. A baixa gravidade marciana também é apontada como um fator que poderia contribuir para a formação de estruturas rochosas com saliências incomuns.
E há uma questão subjacente: a alta possibilidade de que a imagem tenha sido manipulada para aumentar o impacto de sua divulgação sensacionalista. Essa suspeita é reforçada pela constatação de que o site da NASA, para sol 2692, mostra diversas fotos de diferentes locais (incluindo algumas do suposto objeto a partir de instrumentos diferentes), todas em versão preto e branco. Não haveria razão para remover apenas versão colorida do catálogo. Essa inconsistência levanta a possibilidade de que a imagem tenha sido processada para apresentar uma coloração que se assemelha às fotos tipicamente “avermelhadas” da superfície marciana, melhorada com ajuda de inteligência artificial, o que poderia influenciar a percepção do objeto como algo distinto das rochas circundantes.
O apresentador do vídeo Drakenaire enfatiza a nitidez da sombra abaixo do objeto, argumentando que isso demonstra que “não se trata de um efeito óptico, mas sim algo real”. Curiosamente, o vídeo usa uma versão absolutamente nítida da imagem colorizada e, embora garanta que não foi usado nenhum editor de imagens (“Photoshop”), a mera comparação com a foto original, em preto e branco, levanta suspeitas. Colocando uma paralela à outra, fica claro que a imagem em cores está no ângulo exato, na mesma posição, encaixando-se perfeitamente em tamanho, posição e proporções, indicando ser a mesma foto. É flagrante, ainda, a aplicação de pelo menos um filtro de nitidez, ferramenta que aumenta contrastes, sutilmente redefine texturas e gera uma espécie de foco artificial em qualquer imagem.

Outro detalhe importante é a ausência de movimento. A sonda Curiosity capturou ao todo seis imagens do objeto, em um intervalo de tempo de aproximadamente 30 a 40 segundos. Essas imagens foram registradas utilizando tanto a câmera esquerda quanto a câmera direita dos instrumentos da sonda. Se o objeto fosse de fato uma nave ou algo capaz de voar e se mover pela superfície marciana, seria razoável esperar que ele mudasse de posição significativamente entre essas capturas, dado o breve intervalo de tempo e as diferentes perspectivas das câmeras.
No entanto, a análise das múltiplas imagens revela que o objeto permanece no mesmo local durante todo o período em que as fotos foram tiradas. Essa constatação de que o objeto não se move em um espaço de tempo de quase um minuto, conforme observado nas diferentes imagens sequenciais, deixa claro que não se trata de algo em voo ou se deslocando ativamente sobre a superfície.
Marte: eterna fonte de teorias sobre tecnologias de alienígenas
A exploração da superfície de Marte por rovers tem sido uma fonte constante de descobertas intrigantes, que frequentemente reacendem o debate sobre a possibilidade de vida extraterrestre ou evidências de civilizações passadas no Planeta Vermelho. As imagens enviadas por esses exploradores robóticos, embora valiosas para a ciência, também têm sido palco de interpretações equivocadas, impulsionadas pela pareidolia – a tendência humana de reconhecer padrões familiares em estímulos aleatórios – e por afirmações não comprovadas de supostas tecnologias alienígenas. A recorrência desses fenômenos demonstra a força da imaginação humana diante do desconhecido e a necessidade de análise científica rigorosa para discernir entre a realidade geológica marciana e as projeções de nossos anseios e fantasias.

Nos primeiros meses de 2022, o rover Curiosity chamou novamente a atenção com a fotografia de formações incomuns na Cratera Gale. O escritor Paul Scott Anderson divulgou uma imagem de uma rocha com uma superfície aparentemente lisa e esculpida, o que levou seus seguidores no Twitter a sugerirem diversas explicações, incluindo teorias conspiratórias. Anderson ponderou que a formação poderia ter sido lapidada pela água que outrora existiu em Marte. Esse episódio ilustra como formações naturais podem ser interpretadas como artefatos, especialmente quando apresentam características que lembram processos de modelagem conhecidos na Terra, como a erosão hídrica.

Posteriormente, uma foto ainda mais recente capturou o que pareceu ser uma planta calcinada na superfície marciana. Nas redes sociais, muitos entusiastas rapidamente afirmaram que se tratava de uma forma de vida vegetal desconhecida. No entanto, o site SciTechDaily publicou um artigo esclarecendo que essa “planta” era, na verdade, um aglomerado de cristais diagenéticos, formado por elementos rochosos que resistiram à erosão. O Curiosity já havia encontrado minerais semelhantes, caracterizados por criarem aglomerados de cristais tridimensionais compostos por diferentes minerais. Esse exemplo demonstra como estruturas geológicas podem ser confundidas com formas biológicas, evidenciando a necessidade de investigações científicas para determinar a origem dessas formações.
As primeiras polêmicas: dos “canais” a Cydonia
A busca por sinais de vida em Marte inteligente não é um fenômeno recente. Ao longo da história, observações e obras de ficção alimentaram a imaginação humana, desde a crença em canais construídos por “marcianos” até narrativas de invasões alienígenas. Um marco nessa história foi a famosa “Face de Marte”, fotografada pela nave Viking 1 em 1976. A imagem de baixa resolução de uma estrutura na região de Cydonia levou muitos a acreditarem que se tratava de um rosto esculpido por uma civilização inteligente. Contudo, missões posteriores com tecnologia mais avançada revelaram que a “face” era apenas um efeito de luz e sombra sobre crateras e saliências naturais. Esse caso clássico é um exemplo primário de pareidolia influenciando a interpretação de formações marcianas.
Mais recentemente, em maio de 2022, outra imagem capturada pela Mast Camera, também do rover Curiosity, reacendeu as teorias sobre a existência de sinais de vida alienígena, mostrando o que alguns interpretaram como um portal ou a entrada de uma tumba em uma rocha marciana. A semelhança visual com entradas de tumbas egípcias no Vale dos Reis foi rapidamente explorada em vídeos e nas redes sociais, com especulações sobre antigas civilizações alienígenas ou até mesmo a possibilidade de ancestrais egípcios terem sido viajantes interplanetários. No entanto, essa interpretação foi refutada por análises detalhadas. A própria NASA explicou que a imagem era uma ampliação de uma pequena rachadura em uma rocha, com dimensões de aproximadamente 30 cm de largura por 45 cm de altura, sendo a aparência de portal uma ilusão criada pela perspectiva.
Outro exemplo notável — e cuja polêmica é recente — é a suposta “estrutura quadrada” em Marte, capturada pela sonda Mars Global Surveyor. A imagem viralizou nas redes sociais, chamando a atenção até mesmo de Elon Musk, que sugeriu o envio de astronautas para investigar. Contudo, a divulgação da imagem original, sem as manipulações de contraste e saturação presentes na versão viral, revela que a formação perfeitamente quadrada é, na verdade, uma área muito maior, com a forma geométrica sendo resultado de ajustes na imagem e da tendência humana à pareidolia.

Cientistas explicam que formações geológicas incomuns em Marte são frequentemente mal interpretadas devido a esse fenômeno, assim como ocorreu com a “Face de Marte”. Essa recorrência de interpretações equivocadas de formações naturais como estruturas artificiais ou evidências de tecnologia extraterrestre sublinha a importância de uma análise científica rigorosa e da consideração do contexto geológico ao avaliar imagens da superfície marciana.
Embora a busca por vida em outros planetas continue a ser uma motivação para a exploração espacial e, igualmente, para os entusiastas da ufologia, é crucial distinguir entre as projeções da imaginação humana e as evidências científicas concretas, evitando conclusões precipitadas baseadas em aparências e ilusões de ótica. A análise cuidadosa das imagens e dados coletados pelos rovers, aliada ao conhecimento da geologia marciana, é essencial para uma compreensão mais precisa e realista do Planeta Vermelho.