Avião invisível não é “coisa do outro mundo”
(Parte 2)
Materiais RAM são conhecidos desde os anos 50, tendo sido empregados pela primeira vez na família dos aviões de reconhecimento “Blackbirds” (2), que compreenderam três aeronaves diferentes: A-12, operado pela CIA; YF-12, protótipo de caça interceptador tri-sônico que não chegou a entrar em serviço; e o famoso SR-71 (Figura 4), da USAF. Assim, na verdade foi o Blackbird, e não o F- 117A, o primeiro avião operacional a empregar tecnologia “stealth” (1).
O uso de formas geométricas especiais, capazes de reduzir acentuadamente a quantidade de energia radiante refletida de volta para a antena do radar que a emitiu, também é um conceito de engenharia antigo. Novamente, coube à série Blackbird a primazia na aplicação deste conceito (1).
A segunda aeronave verdadeiramente furtiva é pouco conhecida. Trata-se de um avião-robô-espião denominado D-21. Uma réplica em escala deste aparelho é fornecida junto a algumas versões plásticas para montar do SR-71, que de fato chegou a transportá-lo e lançá-lo em algumas missões de espionagem sobre a China, sem sucesso (1).
O emprego simultâneo das duas técnicas tornaram a assinatura radar do Blackbird três ordens de grandeza menor (ou seja, 1.000 vezes menos) que a do bombardeiro B-52, por exemplo. Entretanto, resultados verdadeiramente excepcionais na área da geometria “anti-radar” somente vieram à luz em 1975, quando dois pesquisadores do Escritório de Projetos Avançados da Lockheed (mundialmente conhecido como “Skunk Works”) implementaram num programa de computador equações que permitiam prever com precisão o modo como formas complexas refletiriam um feixe radar (1) (2). Este conceito foi demonstrado com sucesso numa aeronave experimental denominada “Have Blue” e, logo em seguida, aplicado operacionalmente pela primeira vez no F-117A. A seção transversal destas aeronaves tem o tamanho de uma esfera metálica com menos de 1cm de diâmetro! Foi a partir de então que o termo “stealth” passou a ser usado de forma mais ampla para designar as aeronaves de baixíssima detectabilidade.
Um aspecto digno de nota refere-se à geometria peculiar desta aeronave (assim como do “Have Blue”, que a antecedeu). Comparando-a com o bombardeiro B-2, também furtivo, pode-se perguntar como, aquele sendo tão “anguloso” e este possuindo formas totalmente arredondadas, ambos podem ser igualmente furtivos. Na verdade, ambos empregam exatamente o mesmo princípio físico para obter a furtividade radar. Ocorre que os cálculos necessários para derivar a geometria furtiva são extremamente complexos e numerosos, e na época em que o F-117A foi desenvolvido, os computadores disponíveis não tinham o desempenho fenomenal dos computadores existentes quando o B-2, mais moderno, foi projetado. Assim, era impraticável modelar matematicamente e calcular a seção transversal radar de uma forma arredonda complexa (tal como a do B-2) com os computadores de então, e a solução encontrada foi reduzir (“aproximar”) tais formas a um número menor de superfícies planas, ângulos, diedros e triedros matematicamente “mais bem comportados” (2). Por isso o F- 117A tem sua forma tão inusitada. A “volta” à aerodinâmica mais “convencional” no B-2 somente foi possível com o avanço da tecnologia de computação (o mesmo se aplica ao YF-22, F-22 e YF-23).
Muitos outros conceitos de engenharia e procedimentos operacionais somam- se às duas técnicas descritas para conferir a furtividade radar demonstrada pelo F- 117A. Por exemplo, nenhum armamento de uma aeronave furtiva é transportado em cabides sub-alares ou ventrais, pois estes dispositivos aumentam significativamente a seção transversal radar da aeronave, anulando, assim, a furtividade da plataforma. Os demais conceitos constituem minúcias que, como tais, fogem ao escopo de uma nota introdutória.
Assinatura infravermelha
A segunda assinatura considerada na construção das aeronaves furtivas é a infravermelha. Sua minimização é importante porque os mísseis anti-aéreos de curto alcance empregam guiagem infravermelha. As principais fontes de radiação infravermelha numa aeronave são o escapamento do grupo propulsor, e o nariz e os bordos de ataque das asas, empenagem e outras superfícies que atritam diretamente com o ar. A redução da emissão infravermelha das superfícies aquecidas pelo atrito é obtida aplicando-se materiais de baixa eficiência emissiva na faixa de comprimentos de onda eletromagnética coberta pelos sistemas de guiagem dos mísseis infravermelhos. A emissão infravermelha pelo sistema de propulsão é atenuada por meio de dois processos simultâneos. Os gases da combustão são misturados com ar que é ingerido e desviado em torno dos motores, de modo que, ao ser expelido para a atmosfera, sua temperatura já esteja suficentemente baixa. Para isto, a duto de escapamento deve ser suficientemente longo e possuir um formato adequado, a fim de que a queda de temperatura ao nível desejado seja completada no interior da aeronave. Naturalmente, o escapamento requer uma insulação térmica especial para impedir que a própria superfície externa da aeronave à volta do motor se torne uma fonte de radiação infravermelha.
Atenuação das outras assinaturas
A terceira assinatura considerada na construção de um avião “invisível” é a fumaça do escapamento. A fumaça do escapamento de um motor a turbina (turbojato, “turbofan” ou turbo-hélice) pode denunciar a presença do avião antes mesmo dele ser avistado. A fumaça depende diretamente da arquitetura da câmera de combustão do motor. Determinados motores expelem fumaça escura, enquanto outros, queimando o mesmo combustível e gerando o mesmo empuxo, expelem fumaça de menor visibilidade. Trata-se, portanto, de escolher o motor mais apropriado para ser usado pelo avião.
A assinatura visual é minimizada aplicando à aeronave uma pintura que dificulte sua detecção no meio em que ela opera, e operando-a neste meio. Este não é outro senão o conhecido conceito da camuflagem. Por exemplo, o F-117A é pintado de preto porque voa à noite. Caças de superioridade aérea, tais como o F- 14 e o F-15, são pintados de cinza porque voam a grande altura, onde o azul do céu e o branco e o cinza das nuvens são o pano de fundo do cenário em que desempnham seus papéis. Aeronaves de ataque ao solo são camufladas em tons de verde, marrom ou areia, porque voam próximo ao solo e seus oponentes (caças interceptadores inimigos) estarão a procurá-las de uma altura maior. No caso do F-117A, a redução da assinatura visual é levada ao extremo: como não possui qualquer armamento defensivo, sua doutrina de emprego exige que este avião seja operado exclusivamente à noite. Obviamente, isto dificultaria sua detecção visual qualquer que fosse a cor usada em sua pintura.
A esteira de condensação é evitada voando-se em altitudes onde a temperatura do ar externo não propicie sua formação. O nível de vôo é planejado antecipadamente a partir das condições atmosféricas previstas para o local e a hora em que o vôo será realizado. Este é um procedimento “operacional” antigo, não constituindo, portanto, requisito de projeto de qualquer aeronave militar, furtiva ou não.
As emissões eletromagnéticas (EM) ocorrem durante as comunicações por rádio, quando a aeronave emprega sistemas de navegação e rastreio e designação de alvos por radar, emissões de radares de bordo (radares de tiro, navegação, meteorológico ou com outras funções) e quando usa iluminadores laser para guiagem de bombas de altíssima precisão (como visto nas imagens da Guerra do Golfo). Tais emissões são particularmente perigosas não apenas porque denunciam a presença da aeronave, mas podem ser usadas pelas defesas inimigas para lançar mísseis, orientando-os automaticamente em direção à aeronave pela própria radiação eletromagnética emitida a fim de abatê-la. Em outras palavras, as emissões EM servem como verdadeiros “faróis”, mostrando ao míssil o caminho para sua “vítima”.
As emissões EM são tratadas caso a caso. No que tange às comunicações, são adotados procedimentos e técnicas especiais para minimizar a possibilidade de interceptação da comunicação. Tais técnicas podem incluir, por exemplo, a blindagem da fiação e o emprego de antenas direcionais, a fim de que a radiação EM espalhada fora do cone de emissão (“linha de visada”) seja mínima e, portanto, difícil de detectar, medir, rastrear ou analisar. Quanto aos sistemas de navegação e aquisição e desginação de alvos por radar, a solução é não usar este recurso. O F-117A navega por meio de um sistema de navegação por satélites denominado “Global Positioning System” (“Sistema de Posicionamento Global). Este é um sistema totalmente passivo, o que significa que ele somente recebe o sinal EM da rede de satélites GPS, sem precisar emitir para que tal sinal o alcance. Além da navegação automática, o F-117A pode navegar à noite através de contato visual com terreno, com o emprego de um imageador infravermelho de visada frontal (“FLIR”, “forward looking infrared”). Uma vez mais, trata-se de um sistema totalmente passivo, que apenas recebe a radiação termal do terreno sobrevoado (o radar, ao contrário, recebe a radiação de microondas emitida por ele ou outro emissor radar para “iluminar” o alvo, ou a cena). Para a aquisição visual de alvos, o F-117A emprega um segundo imageador infravermelho, designado “DLIR” (“down looking infrared”, “infravermelho de visada para baixo”), igualmente passivo. Finalmente, a designação laser emprega um feixe luminoso que, além de ser altamente direcional, permanece ativo apenas pelo tempo necessário ao ataque, o que reduz expressivamente as chances de detecção e rastreio desta emissão EM.
Concluindo
Este autor não sabe se existe alguma aeronave secreta voando por aí graças à ciência dos viajantes estelares. A razão é justamente esta: se houver, é secreto, e ninguém sabe. Este artigo abordou unicamente as aeronaves furtivas e, neste caso, os dados disponíveis mostram claramente tratar-se de tecnologia aborígine. Assim se o leitor tiver acesso a um microcomputador de penúltima geração, entender o suficiente (bem… neste caso, “suficiente” quer dizer “bastante”) de programação e dos princípios físicos do radar, poderá projetar seu próprio “avião invisível”, e com ele “infernizar” o sistema de vigilância aérea de qualquer país. Isso tudo sem que seja preciso recorrer à espionagem ou, muito menos, a qualquer ajuda extraterrestre. “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha sua vã filosofia”, é verdade, mas, tal como as aeronaves furtivas, muitas delas são feitas por gente nascida e crescida e usando tecnologia desenvolvida em nosso próprio planeta!
Major Aviador da ativa da Força Aérea Brasileira e Mestre em Sensoriamento Remoto, com experiência na tecnologia de imageadores infravermelhos e conhecimentos em processamento digital de imagens.
Referências Bibliográficas
(1) Rich, B.R.; Janos, L. Skunk Works. London, Warner Books, 1995. c1994. 404 p. ISBN 0-7515-1503-5
(2) Miller, J. Lockheed’s Skunk Works: the first fifty years. Arlington, Texas, Aerofax, Inc., 1993. 216 p. ISBN 0-942548-56-6.
(3) Jane’s Information Group Limited. Jane’s all the world’s aircraft 1994- 1995. Coulsdon, UK, c1994.