“Que fase!”: semana foi sombria para a odisseia espacial humana

“Que fase!”: semana foi sombria para a odisseia espacial humana
Reentrada de destroços da Starship foram registrados em vídeo nas Bahamas (Credito: Stefanie Waldek no X.com/Reprodução)
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A última semana se configurou como um verdadeiro teste de paciência para os aficionados da exploração espacial, culminando em um cenário que alguns poderiam descrever, com uma pitada de ironia cósmica, como um autêntico “inferno astral” do setor. O palco principal dessa sequência de eventos infelizes foi novamente ocupado pela SpaceX e sua colossal Starship, que protagonizou mais um espetáculo pirotécnico não intencional.

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A empresa de Elon Musk realizou o oitavo voo de teste do seu ambicioso megafoguete na quinta-feira (6/3), e embora o propulsor tenha retornado à Terra com sucesso, a etapa superior do veículo espacial voltou a falhar de maneira espetacular. “Posso confirmar que perdemos o contato com a nave. Infelizmente, isso também ocorreu na última vez”, lamentou Dan Huot, funcionário da SpaceX, referindo-se ao teste anterior em janeiro que também terminou em detritos sobre o Caribe. Desta vez, a SpaceX informou que “durante a queima de ascensão da Starship, o veículo sofreu uma rápida desmontagem não programada e o contato foi perdido”.

Novo retorno bem sucedido do SuperHeavy e 2a captura nos bracos da torre em missao marcada por nova explosao do 2o estagio Credito Space X Reproducao X
Novo retorno bem sucedido do SuperHeavy e 2a captura nos braços da torre, em missão marcada por nova explosão do 2o estágio (Crédito Space X Reprodução X)

Apesar da persistente dificuldade com a segunda etapa, a empresa espacial do bilionário tenta manter o otimismo, afirmando que irá “revisar os dados do teste de voo de hoje para entender melhor a causa raiz” e que “o sucesso vem do que aprendemos”. Resta saber quantos “aprendizados” explosivos serão necessários para que a Starship finalmente alce voo de forma consistente.

 

 

Enquanto a SpaceX contabilizava mais um revés, outra missão, desta vez conduzida pela Intuitive Machines com seu módulo de pouso Athena, também enfrentava seus próprios desafios terrenos… ou melhor, lunares. A missão Athena, que tinha como objetivo explorar o polo sul da Lua em busca de água utilizando o conjunto PRIME-1 da NASA, até teve um início promissor, conseguindo pousar. No entanto, a alegria durou pouco. O Athena operou por um breve período antes de se desligar, sendo encontrado deitado de lado em Mons Mouton, um platô próximo ao polo sul lunar. A empresa havia planejado uma operação de cerca de 10 dias, mas a missão foi interrompida após apenas um dia.

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Fotografias confirmaram a posição inclinada do módulo, o que, combinado com as condições adversas de temperatura e orientação solar, praticamente inviabilizou a recarga das baterias. Apesar do contratempo, a missão foi considerada um “marco”, sendo o pouso lunar mais ao sul já realizado. Contudo, o rover de quatro rodas fornecido pela Lunar Outpost, que estava a bordo, não conseguiu ser desdobrado devido ao desligamento prematuro. A exploração lunar, ao que parece, continua sendo uma tarefa para verdadeiros contorcionistas espaciais.

Módulo de pouso Athena chegou a enviar foto de pouco na Lua, mas tombou e não vai continuar missão (Divulgação/ Intuitive Machines)
Módulo de pouso Athena chegou a enviar foto de pouco na Lua, mas tombou e não vai continuar missão (Divulgação/ Intuitive Machines)

A sequência de infortúnios cósmicos não parou por aí. A AstroForge, uma startup com ambições de minerar asteroides, também teve sua dose de frustração com a missão Odin. Lançado com o objetivo de pousar um minerador no asteroide 2022 OB5 e coletar dados para futuras explorações, o Odin perdeu contato com a Terra poucas horas após o lançamento. A empresa californiana não demonstra muito otimismo quanto à recuperação do minerador.

“A chance de falar com Odin é mínima, pois, neste ponto, a precisão de sua posição está se tornando um problema”, explicou a AstroForge em nota.

A principal teoria para o silêncio do Odin envolve “complicações potenciais com a implantação do painel solar”, o que poderia ter deixado a espaçonave com energia severamente limitada. Apesar do aparente fracasso, a AstroForge tenta extrair algum aprendizado da situação, afirmando que “de muitas maneiras, Odin se tornou um pioneiro e um professor — continuando sua missão informando nossos empreendimentos futuros, mesmo em silêncio”. Uma perspectiva, no mínimo, filosófica diante do sumiço de um equipamento de US$ 3,5 milhões.

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Para completar essa semana de percalços espaciais, até mesmo as veteranas sondas Voyager da NASA, verdadeiros ícones da exploração do espaço profundo, viram seus instrumentos serem progressivamente desligados. Como parte de um esforço contínuo para estender a vida útil das duas sondas lançadas em 1977, a NASA desativou mais dois instrumentos científicos devido ao esgotamento gradual de sua fonte de energia de radioisótopos. Suzanne Dodd, do Laboratório de Propulsão a Jato, expressou a determinação da agência em tentar manter a missão: “As Voyagers têm sido estrelas do rock do espaço profundo desde o lançamento, e queremos manter isso assim o máximo possível”.

Voyager II. ilustração NASA/JPL-Caltech
Voyager II. ilustração NASA/JPL-Caltech

No entanto, a realidade é que a energia está acabando, e sem desligar instrumentos, a missão poderia ter seu fim decretado em poucos meses. Com o subsistema de raios cósmicos da Voyager 1 já desligado em fevereiro, e o instrumento de partículas carregadas de baixa energia da Voyager 2 programado para ser desativado em março, as sondas que alcançaram o espaço interestelar terão que continuar sua jornada silenciosamente, dependendo de um número cada vez menor de “órgãos sensoriais”.

Risco de redução drástica do orçamento da NASA

Como se não bastassem as más notícias vindas direto do espaço, as coisas podem se complicar um pouco mais em solo para a NASA. Conforme noticiou a imprensa especializada, paira sobre a comunidade científica espacial a sombra de drásticos cortes no orçamento da NASA, com a Casa Branca considerando uma redução de até 50% nos fundos destinados aos programas de ciência da agência espacial. Múltiplas fontes familiarizadas com a proposta da Casa Branca enfatizaram que, embora as decisões não sejam finais, a intenção de “cortar a ciência” é clara. Essa iniciativa parece ser impulsionada por Russell Vought, diretor do Escritório de Gestão e Orçamento da Casa Branca, cujas prioridades orçamentárias já manifestavam o desejo de reduzir gastos em programas científicos da NASA, incluindo aqueles relacionados à mudança climática.

A magnitude de um corte dessa proporção gerou forte reação na comunidade científica. Casey Dreier, chefe de política espacial da The Planetary Society, qualificou tal medida como “nada menos que um evento de nível de extinção para a ciência e a exploração espacial nos Estados Unidos”.

NASA
NASA. Imagem de lace0182 por Pixabay

Segundo ele, a perda repentina de tanto financiamento não tem precedentes na história da NASA e forçaria decisões terríveis, como o desligamento de diversas missões ativas e produtivas, a paralisação de quase todos os novos desenvolvimentos de missões e a dizimação da força de trabalho do país na área de ciência espacial. Cientistas alertam que mesmo zerar o orçamento da ciência da Terra não seria suficiente para compensar um corte de 50%, o que inevitavelmente levaria à interrupção de missões importantes como as sondas Voyager e a Curiosity em Marte, além de potencialmente inviabilizar o início de novas missões relevantes para a exploração do Sistema Solar.

Dreier também aponta a incongruência desses cortes com o objetivo declarado da administração de comercializar o espaço, já que “não existem opções comerciais ou privadas para a ciência espacial exploratória”, e que nenhuma empresa privada está disposta ou apta a realizar missões científicas inovadoras como as da NASA. Há ainda a preocupação de que um orçamento reduzido possa fazer com que os Estados Unidos cedam a liderança na exploração do Sistema Solar para países como a China, que têm demonstrado ambições crescentes nesse campo.

Em resumo, a semana que passou deixou um rastro de contratempos e incertezas para a exploração espacial. Potenciais cortes no orçamento de pesquisa, falhas espetaculares, missões lunares precocemente encerradas, contatos perdidos em asteroides distantes e o lento silenciamento de pioneiras espaciais pintam um quadro agridoce do atual momento da indústria. Resta aos entusiastas aguardar as próximas semanas, na esperança de que o “inferno astral” cósmico dê lugar a céus mais claros e promissoras jornadas interplanetárias.

Jeferson Martinho

Jornalista, o autor é empresário de comunicação, dono de agência de marketing digital e assessoria de imprensa, publisher de um portal de notícias regionais na Grande São Paulo, fundador e editor do Portal Vigília.

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